O "E" T
Era uma vez um "E". O "E" da palavra "espada". Da espada de D. Quixote. Era um "E", afiado e pontudo. Leve, mas resistente. Louco, magro e triste, mas honesto, justo e recto.
Um dia o "E" acordou no chão. Soltara-se da página onde fora impresso, e um sopro de vento levara-o para o andar de baixo. Abaixo daquele em que estava o livro em que vivera toda a sua vida.
Agora, perdido na biblioteca das bibliotecas, percorre as salas. Cruza os corredores. Sobe os andares. Abre os armários. Visita as prateleiras. Lê os livros. Percorre as páginas. Analisa as frases. Divide as orações. Segue as linhas e entoa todas as palavras para descobrir onde faz falta.
E o tempo? E a paciência? E a vontade? - perguntam-lhe frequentemente as palavras por onde passava. Mas o "E" nunca lhes responde.
Queria fazer sentido num índice, num epílogo, num meio de romance, num livro de receitas ou num mapa de linhas direitas. Alguma coisa para não ter de deambular assim, por entre as folhas e as capas. Queria descansar os braços de erguer lombadas, repousar os dedos de virar páginas vincadas e dar silêncio. Silêncio aos ouvidos de aturar as palavras zangadas. Está cego do pó. Mordido pelas pulgas e trucidado pelos volumes e volumes e volumes e volumes e volumes que fumegantes nas linhas paralelas das estantes, ora a horas certas, ora a horas atrasadas param no apeadeiro.
Um dia procurará um fim, de página, virado para o mar. Depois reduzir-se-á ao tamanho 1, mudará de Arial, para Times New Roman e esperará que nunca ninguém requisite o livro a que faz falta, para que nunca se saiba que viveu.
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