quarta-feira, agosto 31, 2005

Férias

® SR

Mudança na Gabardina

Andámos demasiado tempo a abichanar com o amarelinho.

Ibéria

Volto a Portugal. Ligo a televisão e vejo o grande Alberto João Jardim a explicar que a Maçonaria ibérica, concentrada nos partidos socialistas, tem um plano, desde o século XIX, para que Portugal seja integrado em Espanha.

Pela primeira vez vejo um bom motivo para votar PS.

Pequenas diferenças

Chego a Espanha. Ligo a televisão. Morreram doze soldados espanhóis na queda de um helicóptero no Afeganistão. Notícia seguinte: Zapatero interrompeu as suas férias e só voltará para elas quando for claro o que se passou.

E e repente, ao ler um jornal, percebo por que é que algumas pessoas estão vivas

Porcas clonadas dão leite terapêutico

João Deão 14


João sai do restaurante. Cheira a fritos e uma azia começa a queima-lhe a garganta. É fim de tarde em Lisboa, e a peça de teatro que à sorte decidiu ir ver, só começa dentro de duas horas. Coloca a mão na barriga e entra numa pequena loja que vende ginginha. Doce, com ou sem elas, num copo de plástico ao final de tarde, eis João, encostado à parede, levando o copo à boca e fixando o olhar em quem está e, em quem passa. Se fechasse os olhos saberia apenas pelo som onde estava. È que ao final de uma tarde de Verão, depois de servidas, entornadas, vomitadas, celebradas e roubadas, milhares de ginginhas, com o sol a pôr cobro a tudo isto, o chão fica cola. Pegajoso, como se a cada passada uma mão se elevasse do chão, agarrasse o calçado que cruza a frente da loja, e gritasse o som dos sapatos a descolarem-se. Por isso, por razões estéticas, João não passarinha de um lado para o outro. Está quieto. Imóvel. Observa um velho. Sapatilhas brancas, calções vermelhos e t-shirt a dizer "Dar sangue é dar vida". Com ele um rapazote. Sapatos de vela castanhos, camisa de riscas grossas, calças de ganga apertadas, boné e brinco de ouro na orelha esquerda. Aproximam-se do balcão descolando os pés do chão. O velho transpirado e vermelhão paga. O puto bebe. Uma, duas, três. O velho aperta-o contra si num gesto lúbrico, apopléctico e fremente com a visão da juventude que embriaga. Passa-lhe a mão pela linha do cabelo, afagando-o com a indiferença com que se sacode um pacote de açúcar. Porque o que ser quer não é o açúcar, é satisfazer a dependência cega do café. A azia, por força da ginga melhora, mas o vomito por força do velho, piora. E o pior, e o pior, é João descobre por que é que as pessoas andam à frente da loja de um lado para o outro, e não ficam parados como ele. A borracha, o calor, o chão pegajoso. E, é assim, que a querer ir buscar outra ginga, com uma azia prestes a desaparecer com a próxima "com", muito colado ao chão, aparece uma Teresa.

segunda-feira, agosto 29, 2005

João Deão 13



E nus adormecem. Equilibram os ritmos cardíacos, dão a mesma profundidade à respiração, sincronizam os movimentos oculares. São um. Vistos de fora. João sonha e Isabelle não. João revive no sono, todos os detalhes do início daquela noite: a saída de casa, as ruas, o restaurante, a entrada de Isabelle. Relembra o momento em que viu Isabelle. Procura o milionésimo de segundo em que tudo mudou. Identifica-o: o exacto momento em que ele, vendo pela visão periférica a entrada de raparigas no restaurante, se virou. Como se de um filme se tratasse, João percorre a película à procura do fotograma preciso em que decide tirar os olhos do empregado lagarto e olhar para a porta. Fixa a imagem. E, vê, naquele vinte e quatro avos de segundo, todas as potencialidades da noite com Isabelle, e da vida com Isabelle. Porém, o desejo de ter mão no tempo; o demónio da perversidade; e a sedução do abismo tentam-no a fazer exactamente o contrário, como se esse acto fosse um murro no estômago do tempo e mas trombas de Deus. E isso atraiu. Muito. E sempre. A decisão. Nesse fotograma João decide não se voltar para trás. E, não a vê entrar. "A sua cerveja. Acabou-se-nos a carne de bifana, pode ser um prego?" "Não, quero um pastel de bacalhau, quanto devo?". E sai do restaurante, para um futuro alternativo que seguiremos.

quinta-feira, agosto 25, 2005

Joáo Deão 12

Passam pela gente cor de chão adormecida nas portas das lojas. Cruzam um bêbado, que a cambalear, do cimo dos seus quatro pacotes de vinho bebidos, com as mãos nos bolsos rotos, e de nariz empinado lhes diz, numa mole de sons mastigados por uma boca fétida de álcoois e pungentes feridas: "eu também já...". Produzido este som, fica ali, no meio da praça, com os pombos a saltitarem à sua volta, a morder a língua e ganhar tempo à inevitável queda que lhe abrirá um profundo lenho na testa, e que o sangrará até à morte, num canto perto de um centro comercial.
Pensão, hotel, residencial ou quarto. Uma varanda: terceiro andar de uma casa antiga. Vista sobre o rio, exposta toda a noite à luz da lua. Gradeada, e com quatro portadas de ripas, a lembrar as antigas casas coloniais da América Latina. O quarto, lá dentro, podia ser, e é, dos anos 50 em Cuba, com uma ventoinha no tecto, uma cama de madeira cor de tabaco, um espelho pequeno que se inclina para a frente, e um candeeiro na mesa de cabeceira que desenha na parede um cone invertido de luz amarelada. Abrem metade das portadas. A luz branca que entra da lua, contrasta com o tom de âmbar do interior, e marca com traços definidíssimos as ripas das portadas no corpo de Isabelle.

quarta-feira, agosto 24, 2005

João Deão 11


A respiração fremente impede que os lábios se unam. Pequenos sons guturais: de alegria. Ela geme quando ele entra no vestido e lhe toca o peito. Ele sorri pela exacta medida das suas mãos. Ela recua. Sobe o vestido até à cintura. Aproxima-se e senta-se ao colo dele. De frente. Segura-lhe nas mãos e encosta-as ao seu peito. Perfeito. Percorre o peito de João como se lhe cravasse as unhas. Desce até as calças. Sente-o com a palma da mão. Uma e outra vez. Ele puxa-a e beija-lhe o pescoço. Ela desperta-lhe o cinto, os botões das calças. Um, dois, três, quatro e o último. Desce-lhe as calças e aproxima o seu tronco do tronco dele. Abre-lhe a camisa. Faz um pequeno círculo com as ancas, leva os braços atrás do pescoço e desfaz o nó que segura a parte de cima do seu vestido. Abraçam-se, colando a pele. Ela arranha com as pontas dos dedos as costas dele, até ao pescoço que beija, envenoando-se com o cheiro da nuca dele. Ele segura o peito dela com as palmas de mão, pressionando-os de vez em quando os mamilos entre os dedos. Dançam sentados, num ritmo lento, circular e profundíssimo. Ela sente-o. Ele sente-a. Ele beija-lhe o peito, inspirando o cheiro que vem dela. Olham-se nos olhos e sorriem. Ondulam juntos. Estão absolutamente sós no mundo.

Descem a rua de mão dada. Pudicamente. Procuram um sitio onde passar a o resto da noite.

terça-feira, agosto 23, 2005

João Deão 10




O restaurante está vazio. Apenas a luz azulada do mata-moscas ilumina as cadeiras viradas ao contrário em cima das mesas. As amigas de Isabelle foram para casa. "e estamos é cansadas, os pés inchados, e blábláblá, e mais isto e mais aquilo, e temos de acordar cedo, e temos de dormir bem, e..."

Isabelle está escondida atrás do muro do Jardim botânico que João decidiu saltar. A luz dos faróis de um carro varre o murro e projecta as sombras do gradeamento, mesmo em frente de Isabelle. João já no meio da mata chama-a. O coração salta-lhe da boca, tem a face quente da excitação e sente uma agilidade há muito esquecida. Curvada corre para junto de João. Ele corre pela densa vegetação desaparecendo de imediato. Isabelle tenta adaptar a sua visão à pouca luz. Perdida, procura-o. Mata densa. Clareira mais à frente. Sentado num banco do jardim sobre a cidade: João. Aproxima-se. Coloca as mãos na cintura, sente a frescura do vento na sua pele transpirada e observa deste promontório a cidade.

Sente a mão de João a descer-lhe as costas e tornear-lhe o corpo. Demorando-se. João repete o gesto, como se lhe despisse a roupa interior por cima do fino vestido. Desce pela perna até à parte de trás do joelho. Pára. Com a ponta dos dedos toca, ao de leve, nessa pele sensível. Inclina-se e beija-a. A saliva arrefecida pelo vento, arrepia-a. Desce a mão ao tornozelo. Agora, com firmeza, percorre o caminho até ao limite do vestido. Pára. A mão entre as pernas de Isabelle. Aperta com suavidade o interior das coxas. Isabelle, de pé, estremece. E, abre-as ligeiramente. João toca-lhe com segurança. Com o indicador. Sente-a, movendo o dedo. Constrangida, vira-se para João, afastando-lhe o braço. Ele sentado, ela de pé frente a ele. Ele abraça-lhe a cintura e beija-lhe a barriga. Sente o paladar do suor na pele abaixo do umbigo. Brinca com os pelinhos. Visualiza desfalecer por cima dele. Abraçam-se. Beijam-se na boca. Sentem o coração a latejar em todo o corpo.

segunda-feira, agosto 22, 2005

O inferno 20 anos depois

Da janela do meu quarto tudo arde. Quilómetros de chamas. Uma lareira gigante. Nos telhados das casas à volta da minha poisam folhas de árvores em chamas que logo se apagam.

O vento traz o fogo para a cidade e o fogo nunca passará da Elysio de Moura. Não tenho com que me preocupar, mas não consigo dormir.

Está a fazer 20 anos que fui apresentado ao fogo. 20 anos em que não fomos capazes de fazer nada para que ele não voltasse.

Notas de Verão 2


Manifesto
Os combates são difíceis mas alguém os tem de travar. Como os minaretes, de execução delicada. Começaremos com argumentos racionais. Seguiremos com manifestações. Pegaremos em armas. Esta é uma luta que une todos os homens e mulheres de bom gosto. È uma luta que começa hoje, aqui, e só terminará quando de uma vez por todas, se eliminar o culto pérfido da caipirinha neste Pais. Bebida diabólica que todos parecem saber confeccionar. Bebida maléfica que todos dizem estar muito forte. Bebida feia, servia num copo molhado, com fruta esmagada dentro, sobre um guardanapo de papel. Bebida pirosa que se presta a rimas pirosas: a caipirinha bebe-se por uma palhinha. Gorda, baixa e larga, uma palhinha que assassina a nobreza de beber um copo na rua. Lutemos com determinação para a erradicação absoluta desta bebida, deste erro moral feito produto de bar. A caipirinha degrada. A caipirinha suja. A caipirinha é nojo.

Proposta:
Eliminação imediata das limas do mercado Português (se querem esmagar fruta dentro de copos, esmagam maçãs raineta, ou fruta seca).
Erradicação do açúcar amarelo e sua substituição por farelo. Têm a mesma terminação fonética e pode ser que vão ler o Gil Vicente.
Confisco das palhinhas atarracadas.
Criação de uma força de segurança especial, com livre transito em todo o território nacional para verificar estas medidas.

Só com a mão pesada podemos zelar pela segurança das nossas crianças adolescentes e defender o que é nosso: a doce ginginha, o apaziguador licor beirão, divertido licor de medronho, as alegres pinhoadas, o louco bagaço, os torresmos sérios, o courato crocante e o belo do tremoço. Contra a caipira, regalemo-nos um doce de Odemira.

sexta-feira, agosto 19, 2005

João Deão 8 e 9

João entrega ao empregado lagarto, o saco de plástico já sem gelo. Senta-se ao lado de Isabelle. Olha-a. Olha uma recém chegada imperial. Pega-lhe.
-Sabes é por isto que eu detesto chinelos.
Bebe um golo a sorrir.
-Ouviste o barulho do chinelar quando ela foi à casa de banho pôr gelo na ferida? Assustador.
-Sádico!
-Não somos todos.
-Estavas a olhar para ontem?
-Não. Estava a olhar para ti.



De pé, encostados ao balcão, com duas imperiais fresquíssimas, João e Isabelle conversam. Estão frente a frente. Entre eles, meio palmo. João com a mão na cintura de Isabelle sente na ponta dos dedos o vinco da roupa interior. Ela: visualiza-a. Sorri. Ele olha-a nos olhos. Ela desvia o olhar, aproxima-se dele, eleva-se para lhe dizer um segredo. Ele baixa a cabeça, para a escutar, e vê o peito dela com gotículas de transpiração. Agora, sente-o de encontra o seu, com se esse fosse a única superfície que a impedisse de cair. João sorri, como se ouvisse alguma coisa do que ela lhe segreda ao ouvido. O hálito na sua orelha arrepia-o, o pescoço que o serpenteia hipnotiza-o e os cabelos molhados na nuca atraem-lhe os lábios para a extremidade do ombro . Toca-me ao de leve e a temperatura invade-lhe as faces. Inspira em pequeninos espasmos e nem repara a sua mão no meio das costas dela a aperta contra si. Com uma força hesitante que treme. Ela afasta as pernas, avança uma para o meio das dele. Sente-o. Cora de lisonja e olhando-o nos olhos, beija-o acima da boca, depois afasta-a a mão dele que lhe torneja toda a cintura. Vira-lhe as costas e puxa-o pela mão para a mesa onde as amigas ainda cacarejam acerca do enorme hematoma no pé da belga e nas calças de João. Ela percebe e coloca-o atrás de si. Sentindo-o frente ás amigas

quinta-feira, agosto 18, 2005

João Deão 7

João senta-se numa mesa ao lado. Coloca o prato na mesa, mas a imperial cai estrondosamente. Salpica ligeiramente o joelho esquerdo de Isabelle que no recuo abrupto para evitar a molha, puxa a cadeira para trás pisando com uma das pernas o pé descalço de uma amiga. Um grito silencia o restaurante. E prologa-se. E prolonga-se. Uma goela aberta, emite a plenos pulmões a dor de uma rapariga belga que enquanto aguardava uma água fresca e uma sandes de ovo com paio, fica com a unha do dedo mindinho esmagada. Unha forte, pele macia e uma Isabelle levíssima fazem com que João apenas tenha de desculpa a Isabelle e esta a Marie. Desculpa, desculpa, deixa ver, não foi nada, ficou vermelho, põe gelo, eu vou buscar, a tua amiga está melhor, obrigada não foi nada, desculpa.

quarta-feira, agosto 17, 2005

João Deão 6


Os cabelos molhados pelo suor. O brilho da pele do peito. A linha dos ombros e do pescoço definidíssima e frágil.Tornozelo fino. E, o vestido de menina usado como coisa que protege e que não esconde. Foi nesta que João reparou. Não como o narrador, mas pelas mamas tesinhas e por se ter sentado mesmo à sua frente de perna aberta.
João olha. Ela percebe-o. Num reflexo, compõe-se na cadeira, para logo se voltar a recostar, agora consciente. "O seu prego" disse o empregado. Um homem estranhamente alto, com os braços muito fino e longos, curvado para frente a partir de meio das costas, um queixo projectado e uma pele de doença hepática. Mexe-se abruptamente, sem a fluidez e suavidade que reconhecemos aos mamíferos. Tem os movimentos de um réptil. Angulosos e instantâneos. Para João: era apenas o cabrão do empregado que sempre que podia, confundia uma moeda de 1 euro com uma de dois.
Com um cabrão à sua frente, com um bife a cavalo debaixo dos queixos e com um rapariga lindíssima atrás de si, João percebeu que era altura de sair do balcão. Pegou no prato, colocou os talheres no bolso e levantou-se.
-Vou para aquela mesa, mais outra imperial.
-Psst. Psst. Olhe que não pode mudar. Já pediu, e a conta é feita para o lugar onde está sentado.
-Oh chefe! É para ir ter com as gajas.
-Aquilo não é material para essas unhas.
Mas é. Isabelle tinha reparado em João logo que entrou. Gostou da imagem dele ao balcão, dos dois copos de cerveja vazios e principalmente da camisa de manga curta preta. "Quem usa uma camisa daquelas é capaz de qualquer coisa". 25 anos, nascida perto de Carcassone, filha de viticultores artesanais, vive em Paris. O que Isabelle mais queria era que João entornasse o copo de cerveja que transporta para a mesa por ela abaixo, para ver, se assim, ele perdia o olhar sobranceiro com que a olhou.


terça-feira, agosto 16, 2005

joão deão 5

Sete raparigas loiras entram. Mochilas vermelhas, garrafas de águas no fim, cabelos apanhados, óculos escuros na cabeça, breves e frescos vestidos e um certo afogueamento. Eis os detalhes que prenderam a atenção de João. O rubor das faces destas raparigas que perdidas no trabalho de arranjarem cadeiras para todas, ajeitarem as mochilas a um canto, de se sentarem, de pedirem o jantar e encontrarem a casa de banho, embriagavam-no com um sentimento de paternidade e quase pena. Mas a pulsão hormonal era mais poderosa que a doçura da meia-idade. "que maminhas...". Encantado pela beleza daqueles movimentos despreocupados e honestos observou-as com mais detalhe. "A sua cerveja. Acabou-se-nos a carne de bifana, pode ser um prego? " " no prato, por favor.

segunda-feira, agosto 15, 2005

Notas de verão 1



Hoje, o que mais desejo é não ter este gosto. Ou melhor, este desgosto, profundo horrível e pungente. Odeio chinelos. Os de enfiar no dedo, especialmente se tiverem a bandeira do Brasil, dão-me cãibras no estômago tão intensas, que todas as salmonelas de uma maionese ao sol, durante um casamento no dia 15 de Agosto, não me dariam tantos vómitos. Os de solas grossas, feitos para caminhar, dão-me dó. Dos pretos, fechados à frente, desconfio mais que de um jesuíta simpático, ou de duas velhinhas que na rua me querem dar a ladainha das testemunhas de Jeová.
Mas hoje, queria não ter este gosto. Esquecer quem sou, e usar por uma hora que seja, as havaianas oferecidas com o MacPitta. Tento. Calço-os, quer dizer enfio-lhes o dedo (com é feio o gesto, a separar o que Deus uniu) e levanto-me decidido. Vou à cozinha. Se até consigo lidar com o aspecto, o som derreou-me. O chinelar derrotou a tentativa visceral e honesta de usar chinelos este Verão. Por isso estou assim, de pés inchadíssimos, macerados pelo calor. Com a pele cozida e cair em grandes folhas. As unhas são uma papa esbranquiçada, assadas pela canícula, que tento manter na ponta dos dedos para que a parte de baixo não infecte. Coisa que aliás só consigo no mindinho do pé esquerdo, os outros dedos exibem coloridas e quentes infecções. Sentado na varanda com os pés em cima de uma velha mesa, olho com resignação para estas duas patas brutais e vejo, numa veia mais saliente, o meu coração latejar. Como gostava de gostar de chinelos.

As aventuras de João Deão seguem a seguir.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Vou

Vou ver o que fazem e como fazem os que vivem melhor do que nós. Já não o faço há demasiado tempo e infelizmente serão pouco dias. Parece-me que a Gabardina continuará a ter textos novos.
Parto com uma única certeza: quando voltar o Benfica ainda não terá ponta-de-lança.
A.

Van Zero

Ontem ouvi o senhor eng.º Van Zeller, director da CIP, patrão dos patrões, na televisão. E percebi que o homem utiliza indistintamente as expressões "as empresas" e "a economia", tendo mesmo distinguido esta última dos consumidores, dizendo que os efeitos do aumento do preço do petróleo se repercutirão na economia e os que não se repercutirem na economia serão repercutidos nos consumidores.
Isto explica tanta coisa sobre o estado actual do país... São estes efeitos colaterais dos tempos do António de Oliveira e Van Salazar que nos têm acompanhado e acompanharão durante muitas décadas ainda, ao que parece...

Joaõ Deão 4

Entra num restaurante frente à estação de comboios. Senta-se ao balcão. Com uma voz profunda e absoluta pede num tom "imperial e sandes, rápido que tenho pessoas à espera!". Coloca os braços no inox do balcão. Sente-o demasiado quente e evita tocar-lhe. O ar humanizado pelo fumo do tabaco e pelo cheiro a fritos irrita João. Gosta da nuvem de fumo mas detesta o cheiro que deixa. Chega a imperial, primeiro que a sandes. Bebe-a em dois tragos. Sente a luminosidade áurea da bebida a irradiar-lhe pelas paredes do trato digestivo. Uma imensa luz refrescante desce-lhe pela garganta, e vai extinguindo-se à medida que assenta no estômago. "Traga-me outra" e segue com olhar o percurso do empregado de dedos longíssimos até à bica de cerveja. O emprega coloca o copo ligeiramente inclinado contra o metal retorcido e olha para a porta do restaurante.

quinta-feira, agosto 11, 2005

João Deão 3

Sai de casa. Desce a rua. Não toca no chão. Vê à transparência. Sintonizado com os objectos e com a gente. Uma janela partida. Uma velha gorda de bata verde, apoiada com os braços à janela de um rés-do-chão, com um gato a passa-lhe à frente, elevando a cauda escandalosamente. Os néons de uma sex-shop. Ruído de curto-circuito. O casal norueguês que partilha meia garrafa de vinho branco gelado. As cascatas de revistas nos quiosques. Ementas a canetas de filtro em tolhas de mesa. E o vento quente a fazer esquecer tudo isto.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Sabedoria popular

Tenho pressa de ter um rumo para o futuro. E muitas vezes esqueço-me de que a pressa é inimiga da perfeição.

João Deão 2

De toalha enrolada à cintura entra no quarto. Veste umas calças e fica à janela a apreciar o vento quente na sua pele fria. Arrepia-se com prazer. Está calmo e move-se como se o ar tivesse espessura, densidade. Veste uma camisa de manga curta preta, comprada por 5 euros na feira da ladra e calça umas All Stars puídas pelas ruas. Senta-se frente à banca da cozinha com um pedaço de haxixe e um maço de cigarros. Parte um cigarro em dois, retira o tabaco para a palma da mão esquerda e coloca o que resta do cigarro entre os dedos. Aquece a pedra, derrete-a e mistura-a com o tabaco. Vira num gesto tudo para a mortalha. Coloca o filtro e enrola com precisão. Acende.

terça-feira, agosto 09, 2005

Sistema Brasil

Diálogo provável entre o director de uma grande empresa portuguesa no Brasil e um dirigente do PT:

Tuga: Bom dia, Sua Exa.. Venho aqui em nome do Grupo X apresentar os cumprimentos ao governo brasileiro!
PTista: Vocês sabem como funciona aqui no Brasil... O sistema democrático tem que funcionar. E para que o país se desenvolva é importante que todos estejam do nosso lado. Ora isso custa dinheiro. Seria uma honra ter connosco um grupo com o vosso prestígio...
Tuga: Não sei do que está a falar, Exa.. Mas quero deixar claro que o nosso grupo não faria nunca nada de ilegal, nem pretende obter vantagens da parte dos políticos brasileiros. Nunca, aconteça o que acontecer, faremos nada à margem da lei para obter vantagens! É esse o comportamento que temos no nosso país e assim nos comportaremos aqui. Muito bom dia!


Nota: No Brasil TODAS as empresas (desde as multinacionais ao vendedor de sanduíche)facturam uma parte substancial do seu volume de negócios por fora. E todas as que eu conheci têm uma contabilidade paralela dessa actividade. Talvez por causa da boa disposação reinante no país, essa facturação costuma ter um nome dentro da empresa. O melhor dos nomes que encontrei para o sistema foi o de uma loja de móveis em São Bento do Sul - Santa Catarina. Os livrinhos de facturas, em tudo idênticos aos da Contabilidade oficial, ostentavam orgulhosamente o nome "Sistema Brasil".





Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer "sim, sim"

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair


Brasil, Cazuza

João Deão I


São sete da tarde. João mete a chave na porta da casa arrendada onde vive, entra e poisa a mochila no chão. Despe-se enquanto acende o esquentador e liga a água quente. "é melhor fria". Nu, desliga o esquentador e mete-se na banheira. Com espasmos inspira, à medida que vai molhando o peito. Com o chuveiro de água gelada frontal à testa, sente um frio polar entrar-lhe cabeça dentro. Gela-lhe o cérebro. Da base da nuca, um azul frio espalha-se através da medula pelo corpo inteiro num último espasmo respiratório. João expira profundamente. Está relaxado e frio.

Eu não queria dizer nada...

...mas é mesmo verdade que o primeiro-ministro de Portugal foi fazer um safari?

sexta-feira, agosto 05, 2005

Não saber

Quando não sabíamos éramos felizes. Não sabíamos e éramos felizes. Éramos felizes e não sabíamos. E não soubemos até tão tarde. Hoje sabemos. Não vale a pena fingir que não.
Por que sofrem tanto as melhores pessoas que eu conheço? Tudo era tão melhor não sabendo. Por que é que não podemos ser inocentes como a Alice?



Alice guarda i gatti
e i gatti guardano nel sole
mentre il mondo sta girando senza fretta.
Irene al quarto piano è lì tranquilla
che si guarda nello specchio
e accende un'altra sigaretta.
E Lillì Marlen, bella più che mai,
sorride e non ti dice la sua età,
ma tutto questo Alice non lo sa.
Ma io non ci sto più gridò lo sposo e poi,
tutti pensarono dietro ai capelli,
lo sposo è impazzito oppure ha bevuto
ma la sposa aspetta un figlio e lui lo sa.
Non è così e se ne andrà.
Alice guarda i gatti
e i gatti muoiono nel sole
mentre il sole a poco a poco si avvicina,
e Cesare perduto nella pioggia
sta aspettando da sei ore il suo amore ballerina.
E rimane lì, a bagnarsi ancora un pò,
e il tram di mezzanotte se ne va
e tutto questo Alice non lo sa.
Ma io non ci sto più e i pazzi siete voi,
tutti pensarono dietro ai capelli,
lo sposo è impazzito oppure ha bevuto
ma la sposa aspetta un figlio e lui lo sa.
Non è così e se ne andrà.
Alice guarda i gatti
e i gatti girano nel sol
mentre il sole fa l'amore con la luna.
Il mendicante arabo ha un cancro nel cappello
ma è convinto che sia un portafortuna.
Non ti chiede mai pane o carità
e un posto per dormire non ce l'ha,
ma tutto questo Alice non lo sa.
Ma io non ci sto più gridò lo sposo e poi,
tutti pensarono dietro ai capelli,
lo sposo è impazzito oppure ha bevuto
ma la sposa aspetta un figlio e lui lo sa.
Non è così e se ne andrà


Francesco de Gregori, 1973

Vida de treinador

Depois de "encostar" Jorge Costa, Nuno Valente, Quaresma, Sandro e Ibson, Co Adriaanse será hoje obrigado a escolher o pior dos seus dois guarda-redes para ser titular do Porto esta época. Se assim não fizesse o "encostado" seria ele...

quinta-feira, agosto 04, 2005

quarta-feira, agosto 03, 2005

O post do dia

Aqui ao lado, no Mar Salgado:

PEQUENO ANÚNCIO GRÁTIS NO JORNAL DO PARTIDO: "PROCURA-SE Sabujo encartado com cartão do partido desde tenra idade para cargo de administração de empresa pública. Não é necessária qualquer licenciatura ou experiência de coisa alguma, sendo irrelevantes quaisquer antecedentes de uso indevido de dinheiros públicos. Situações de amizade ou de anteriores sociedades com o PM serão consideradas. Salário superior ao do Presidente da República."

Ainda não tenho

Assim que eu tiver forças para arrumar a mesa de casa e a mesa do trabalho a minha vida pode continuar.

terça-feira, agosto 02, 2005

E nos dois primeiros meses as coisas até pareciam estar a correr bem...

Durante horas este jovem só conseguia dizer: "O Vara? O Vara?"


Armando Vara administrador da Caixa Geral de Depósitos.

Os senhorios
podem solicitar às finanças informações sobre os rendimentos dos inquilinos.

A Associação Nacional de Farmácias afirma que os preços absurdos a que as farmácias são vendidas em nada seriam alterados com a sua liberalização.

E agora a boa notícia:
Ministra acredita que limites à acumulação dos professores vão criar três mil empregos
Para quando os limites às acumulações dos médicos?

segunda-feira, agosto 01, 2005

Tell me why

I don't like Mondays.