terça-feira, junho 29, 2004

Carta aberta aos amigos europeus

Portugal, 29 de Junho de 2004



Caros amigos europeus,

É com muita emoção que vos escrevo esta carta aberta. A emoção de quem sabe que é nos maus momentos que se vêem os verdadeiros amigos, aqueles com que sabemos poder contar. Hoje é para mim, e acredito que para Portugal, um dia muito especial. O nosso Zé Manel deixará, a partir de hoje, de ser o primeiro de todos os portugueses e passará a ser o presidente da comissão de todos nós.

Eu sabia, e sabia que vocês sabiam, que era fundamental que o Zé Manel saísse do governo português o mais depressa possível. Os dois últimos anos têm sido de intenso sofrimento para os portugueses (valha-nos agora o Deco e o Scolari!). Mas nunca pensei que vocês estivessem dispostos a sacrificar os próximos anos de desenvolvimento da Comunidade Europeia só para nos livrarem deste calvário. Talvez porque eu, e assumo essa fraqueza com frontalidade, no vosso lugar não seria capaz de tal prova de altruísmo.

Em boa verdade, eu, que me sinto mais europeu que português, tenho alguma dificuldade em permitir que isto aconteça. Sei que os próximos anos de desenvolvimento da Europa ficam seriamente comprometidos. Dirão alguns que é só o Presidente da Comissão, que não tem assim tanta influência. Mas acreditem em mim. Eu já vi o Zé Manel em acção. Será trágico. Mas nada vou fazer, porque não aguento mais a angústia dos que estão à minha volta. Nós aqui não aguentamos mais. E o sofrimento a dividir por todos custa menos.

Por isso, resta-me agradecer-vos reconhecidamente este vosso gesto grandioso. Espero que num dia de maior prosperidade nós o possamos retribuir. Em boa verdade eu só acredito que o Zé Manel se vá embora no dia em que o vir tomar posse. Por isso, para já, serei contido nos festejos. Nesse dia, no entanto, garanto-vos que as buzinas dos automóveis portugueses tocarão com toda a força pelas ruas das nossas cidades e que haverá mais bandeiras desfraldadas por esse Portugal do que no dia da vitória sobre a Inglaterra.

É com enorme emoção e com uma contida esperança que me despeço, com os melhores cumprimentos,

Gabardina

P.S.- Aviso-vos desde já que, por tradição, em Portugal nunca aceitamos devoluções. Por isso nos desculpamos, certos da vossa melhor compreensão.

1 comentário:

Anónimo disse...

Cara amiga Gabardina,

É com enorme emoção que a vejo à toa. A emoção de quem sabe que é nos momentos mais turbulentos que se vê quem é que tem sentido de Estado.

As reacções das mais diversas vertentes políticas, a começar pelo interior do governo e a acabar na ponta da extrema esquerda (naquele pessoal esquisito que se candidata sempre nas eleições, grunhem nos tempos de antena e nunca ninguém sabe o que pensam na realidade ou sequer como se chamam).

Os milhares de funcminários públicos que às 19h se vão especar nos Governos Civis em manif convocada em hora de expediente pelo telemóvel, são o reflexo do peso descomunal que o Estado português ainda consegue mover no país.
Em qualquer país desenvolvido as coisas seriam resolvidas pacificamente, mas por cá sem o megafone não se resolve nada.

Para todos os efeitos, a decisão sobre se as antecipadas cabe ao Presidente da República.
Aliás, esta vai ser a primeira vez que o homem vai ter alguma coisa séria em cima da sua secretária, porque os cartões de boas-festas, os indultos e a vertente Zé-das-Medalhas no 10 de Junho fazem com que o Rei de Espanha tenha mais actividade política a jogar golfe que o Presidente da República portuguesa no seu gabinente a despachar "assuntos pendentes".
Deixemos homem gozar o momento!

Entretanto, aconselho à Gabardina que não se descosa mais em excitações momentâneas de "poder na rua" e libertinagem.
Bem vai precisar de tecido para se tapar de vergonha daqui por uns tempos.