quinta-feira, julho 12, 2007

Bons sentimentos!

Ontem saí do trabalho e entrei no carro ao som de uma música alegre e bem disposta, o sol brilhava, ia correr um pouco para um parque com circuito de manutenção lá perto de casa e depois tinha um jantar porreiro no bairro com uns amigos, ou seja, basicamente, o dia até me estava a correr bem, na generalidade, e começou a nascer um post óptimo, muito positivo, sobre as coisas boas da vida...

Rolei ligeiro durante umas centenas de metros, ainda a pensar no texto que ia escrever, bem disposto e contente da vida, e saí da curva do IC30 em bom ritmo, com os pneus a chiarem alegremente, bem dispostos e contentes com o alcatrão debaixo deles, o motor a roncar num regime agradável, fruto da redução de caixa prudente que acompanhou a manobra e acenei, também alegremente e de uma forma perfeitamente cordial, com o dedo do meio para o carro de trás que devia queria trocar de faixa por cima de mim. Tudo dentro da rotina normal, portanto.

Qual o meu espanto quando, no meio de uma frase particularmente inspirada sobre aqueles bons sentimentos que nos aquecem por dentro e nos reconfortam, que renovam a nossa fé na Humanidade e fazem de nós melhores seres humanos, me deparei com uma infinidade de luzinhas vermelhas aos pares de três a olharem para mim. C******, exclamei de pronto, claramente ainda cheio de bonomia para com as contrariedades da vida, enquanto pisava firmemente o pedal do travão para imobilizar o carro mesmo antes deste ir conhecer de perto a traseira da pick up da frente.

Pensando na felicidade que me enchia a alma momentos antes, vi-me subitamente no meio daqueles testes rigorosos à paciência e boa vontade dos melhores entre nós: o belo engarrafamento do IC19, certamente motivado por um acidente. Ao ver passar o INEM que se esgueirava entre os carros que civicamente se desviavam, não pude deixar de admirar a dedicação destes profissionais à ajuda de terceiros e, pensei, espero que cheguem a tempo aos sinistrados. Reclinei-me no banco e prossegui mentalmente com o tal post sobre... sobre... ah, sobre a bondade e a alegria. Quando uma outra frase razoavelmente inspirada foi interrompida pelo soar de uma sirene da polícia, notei que nos últimos quinze minutos tinha percorrido apenas uns 100 metros. Que bela m**** de polícia que temos, pensei eu construtivamente, que nem sequer sabe desviar o trânsito para poupar tempo aos utentes das estradas, pagadores dos impostos que vão para os salários deles. E pus o rádio um pouco mais alto pois estava a dar o “Nothing but flowers” dos Talkings Heads que vinha mesmo de encontro ao teor do meu texto, com a noção de ecologia e a crítica ao urbanismo selvagem implícita. Cantarolando satisfeito e bem disposto os últimos versos da música dei lugar à troca de faixa do estúpido do lado que devia achar que os kms de carros enganadoramente PARADOS EM AMBAS AS FAIXAS à frente dele iam subitamente desaparecer com aquela manobra genial.

Ao ouvir o locutor anunciar a passagem das sete e meia um rápido cálculo mental relembrou-me que estava quase no mesmo local e que pouco me tinha afastado do sítio de onde partira naquela última hora. E que magnífico sítio era este para passar um pedaço da minha vida. E, raios partam, já não vou conseguir ir correr para o parque, para o meio das àrvores, em contacto com a natureza, com o ar puro... espera! Que cheiro é este? Ar puro não é certamente e só a bosta do escape do imbecil da frente cheira assim. Onde pouco tempo antes habitavam bons pensamentos (os que restavam e que mais uma ambulância de passagem se encarregou de escorraçar), vivia agora, alegre e bem disposto, um saudável ódiozinho rancoroso contra os anormais que não sabem conduzir e que se estoiram na estrada. Espero que estejam bem desfeitozinhos. Ou aprendem a guiar, ou se concentram no que estão a fazer ou andam mais devagar. Agora isto de me prenderem no trânsito é que não se encaixa nada na minha visão optimista da Humanidade. Palermas. Bom, onde é que eu ia? Ah, na parte em que acreditava nas pessoas, que há sempre um lado bom, que devemos confiar no potencial... f**** da ...! Isto é incrível... o parvalhão da mota, armado aos cucos a passar daquela maneira entre os carros!

E nisto passaram quase duas horas... foi-se a corrida... foi-se a paciência... e quando estava à espera de encontrar umas toneladas de destroços, um rio de sangue e óleo na estrada, corpos embebidos em aço, quando mal podia conter a expectativa de poder parar o carro para acender com o isqueiro os cabelos de uma cabeça decapitada, medir a distância e rematá-la colocada ao ângulo, ali mesmo na gaveta, para o banco de trás do carro que provocou o acidente, onde a mulher do gajo sem cabeça ainda estava a gemer agonizante numa poça de gasolina, acompanhada com o característico dizer do Figo, “Toma!” e ainda um “Que é para aprenderes! Para a próxima tens mais cuidado! Palhaço!” cuspido pela janela e gargalhando insano, acelerava loucamente rumo a casa, acabei por não vislumbrar ponta de uma ráspia, nem um parafuso que me explicasse o que me tinha deixado aquele tempo todo ali a pastar... Abri as janelas, acelerei e aumentei o volume do rádio, respirei fundo e pensei, alegre, bem disposto e feliz, que a vida é bela e deve ser sempre vista pelo lado bom, cheia de bons sentimentos, fé nos Homens, apreciada e gozada na sua plenitude!

13 comentários:

IM disse...

Caramba! Isso é que é optimismo!!!! Todavia, esse episódio dá para uma boa reflexão sobre as nossas relações com os outros e sobre o que é a liberdade...até onde pode ir, de facto, a nossa liberdade? Até que ponto nos preocupamos com os outros? Uma vez, em plena ponte da arrábida ia eu toda contente quando de repente me deparei com as tais luzinhas vermelhas mesmo à frente do meu nariz! Consegui travar a tempo de evitar enfiar-me no da frente, mas o de trás não conseguiu travar a tempo (ia a olhar para o rio, a ver a paisagem e uns barcos que por lá estavam...) e enfiou-se pela traseira da minha carrinha adentro!!!! Como tivémos de ficar ali um pouco a resolver a situação, o trânsito ficou ainda mais engalinhado e eu lembro-me perfeitamente de estar muito preocupada com isso e querer sair dali rápido para não fazer o pessoal estar naquele martírio!!!! (como eu tenho bom coração!!!)
A verdade é que tudo isto nos faz pensar que não podemos fazer planos. Querias ir dar uma corrida: algo perfeitamente viável,acessível, que parecia apenas te dizer respeito e dás por ti a não poder fazer SÓ isso por causa dos outros...e nem sabes ebm quais, certo? Se calhar foi só um leve toque ou o acidente num outro desvio qualquer que não pudeste observar...enfim...estamos sistematicamente condicionados e nada podemos fazer...
Mas pronto, certamente pensaste que pior do que essa seca, seria estares todo enfaixado, num hospital, a falar de dentro de um embrulho e que, bem vistas as coisas, esperar tempos infindos dentro de um carro numa fila de trânsito até é agradável!!!! Quantos textos eu não "escrevi" mentalmente assim? Quantas decisões importantes???? Isso é sempre uma alternativa saudável...ehheheh...

Catarse disse...

Bom, nessa perspectiva é realmente assustador... estamos presos numa rede e nem sempre criada por nós próprios... há uma série de interacções, acasos e decisões conscientes que se entrelaçam e nos condicionam de tal modo que apenas vendo tudo numa escala maior é possível que se perceba alguma coisa do que está a acontecer... para já ainda não abarquei bem o quanto aquilo me afectou a mim (ou deixou de afectar pois pode bem ter sido o que me safou de ir ao parque magoar-me outra vez ou ser assaltado, ou por outro lado, conhecer alguém importante) ou aos outros... seja como for, irritar-me faz mal à saúde e descarregar é preciso, ao gosto de cada um... e além disso, como diria o grande sábio Fisk: bygones!

IM disse...

Pois...quiçá tudo aquilo tenha sido mesmo uma manobra interplanetária para evitar que te esborrachaces todo por causa de um tropeção...é que esta coisa das talas ainda está muito recente...ehehhehe

IM disse...

Esborrachasses... Estou tão farta de ler disparates hoje (em exames) que já nem sei escrever...bolas!!!

Catarse disse...

ups... parece que é contagioso... era o grande sábio Fish, Richard Fish! Quoting:

Bygones!

Make enough money, and everything else will follow. Quote me. That's a Fishism.

Friction, friction, friction, orgasm. Fishism.

E uma que descobri recentemente ser absolutamente mais verdadeira do que alguma vez pensei:

You're not who you are, you're only what other people think you are. Fishism.

IM disse...

"The real truth is, I probably don't want to be too happy or content. Because, then what? I actually like the quest, the search. That's the fun. The more lost you are, the more you have to look forward to (...)".
A.McBeal

Catarse disse...

essa só é válida se mantiveres o optimismo e a boa disposição senão é receita certa para a depressão e insatisfação permanente...

mas, no geral, quem é que não gosta daqueles momentos que antecedem o sucesso (ou o fracasso), da incerteza do resultado, da procura por aquilo que falta, da adrenalina do risco?

uma lei da biologia, também aplicável ao caso em questão, diz que um sistema em equilíbrio é um sistema morto!

IM disse...

É bom saber que não estou morta!!!!! eheheheheh...
Quanto ao resto, claro, mantenho a boa disposição relativa, mas sou por definição e (de)formação uma pessoa insatisfeita, perfeccionista, teimosa que nem uma burro, e determinada a levar tudo pela frente em busca do que quero...sou terrivelmente determinada e não desisto nunca (entenda-se quando há possibilidade de chegar, ainda que muito difícil!)...um terror!!!! eheheheheh
Pronto, e depois destas confissões de pé-de-orelha, vou-me embora que estão lá em baixo uns tachos a borbulhar, o Mikas está a choramingar...não deve ser boa coisa!!!!! eheheheheh
;-)

jbfmartins disse...

Queria agradecer-vos a atenção que me deram durante alguns meses mas eu agora estou preso.
Envolvi-me numa situação de furto com umas pessoas com quem eu contava e agora estou a cumprir pena.

São só seis meses... enfim...

Agora participo em acções de animação da leitura e participo em concursos literários e de expressão plástica. Há a esperança de diminuir a pena.
A nossa Biblioteca dispõe de 9.300 obras, realizando e, com regularidade mensal, desde 1989, edita o jornal "Alô" em que vou participar.

A vocês quero enviar um abaço especialmente ao Tcravidão, Branquinho, Arroz-de-Casca, MM e IM.

Espero que nunca se encontrem numa situação como esta. Tenho muito frio à noite.

Do fundo do coração envio-vos os desejos de umas boas férias e, se nada se alterar, estarei cá fora a 4.11.07.

Aquele abraço

Catarse disse...

Nada temas camarada! A tua parte do saque aguarda-te quando saíres e os maços de tabaco seguirão dentro do bolo conforme combinado!

Pensa nos belos momentos que por aqui se passaram para te aquecer nesse cárcere e lembra-te: "Ninguém nasce com cadastro!"

Abraço

Anónimo disse...

Espero que te tenhas lembrado de levar a lima no rabo como te ensinei...

Se não der para a usares nas grades deixa-a lá estar! Sempre consegues tomar banho mais descansado sem te preocupares sempre que a merda do sabonete voltar a cair...

Peace bro, for real, yo
Irmão Tarzan Metralha

IM disse...

A experiência é a mãe de todas as coisas...já dizia o Camões...

Anónimo disse...

Esta do Camões deve ser contigo, Chita...

Tarzan