A dada altura Sampi atingiu um ponto de verdadeira saturação com o estilo de vida que levava. Era só loucura, inconsequência, inconstância. Precisava de algo mais sério. Algo mais estável. Decidiu que tinha chegado o tempo para tentar uma abordagem diferente. Afinal, depois de tantos anos de diversão com os locais, se calhar, podia agora dar-lhes qualquer coisinha em troca. Para além das bebidas, drogas e explosivos, claro. E todas aquelas formas de arte incompreensíveis que pareciam apelar de uma forma estranha ao imaginário dos humanos, como a louça das Caldas, a ripa de madeira inclinada em cima de um tijolo e os filmes do Manoel de Oliveira.
Bom, mas isso praticamente não contava para a grande ordem das coisas. Precisava de sentir a realidade deles para os compreender. De estar integrado naquela realidade e não de estar acima dela ou dentro da sarjeta, como era mais habitual. Aderiu a um ginásio. Ajudou mas faltava algo. Abraçou a filosofia, leu, escreveu, puxou pela cabeça, tentou descobrir o sentido da vida, a resposta à grande pergunta sobre a vida, o universo e tudo o resto (que como quase toda a gente sabe é: quanto são seis vezes sete?) porque não conseguia aceitar a resposta 42 como sendo assim tão reveladora sobre tudo o que ele conhecia. Tentou o budismo, yoga, tantras, mantras, drogas, mantas, deserto, escreveu as musicas dos doors e deu-as ao Jim Morrison enquanto este andava perdidinho por lá, incenso, hinduísmo, paganismo, bruxaria, vudu, búzios, ler tarot, as mãos, os pés, mãe de santo e quejandos.
Encarnou o líder espiritual de que seguem trechos das suas prédicas aos crentes:
Mestre, o que é mais pesado para a alma? O que é mais nobre? Sofrer na alma As flechas da fortuna ultrajante Ou pegar em armas contra um mar de dores Pondo-lhes um fim?
Eh pá, também já estive nessa. Isso e saber se preferia que me arrancassem pelos do cu pelo nariz ou pelos do nariz pelo cu...
Mestre, fala-nos do dia-a-dia!
O dia-a-dia é uma seca. Quem me dera ter um controlo remoto para passar as partes chatas...
Mestre, diz-nos o que pensa do amor?
Humm. Tramado. Humm. Muito tramado. Nas palavras do poeta, o amor é fodido, Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer, ora zumba na caneca e estamos na fossa outra vez! O melhor é mesmo nem pensar nisso. Se por acaso alguém apanhar uma coisa dessas, é fazer o mesmo que com as constipações: Cama, muitos líquidos e esperar que passe!
Mestre, e o trabalho?
Chiça penico. Onde? Quem? Eu? Porra! Ah... bom... o trabalho... tou de baixa.
Mestre, sobre a música...
Isso é que é. Taí coisa para demorar... Vai do "Lá, lá, lá, dá-me favas com chouriço,..." até aquela coisa tcham tcham tcham tcham do Ludwig, passando por Van der Graaf Generator e Gogol Bordello. Sem esquecer o grande exito "conan o homem rã" e o atirei o pau ao gato.
(inspiração: “O profeta”, “Hitchhiker’s Guide to the Galaxy”, HC, comments deste blog)