Cesariny na cinemateca
Sala Félix Ribeiro esgotada. Depois de os legítimos possuidores de bilhetes se sentarem, a porta foi institucionalmente aberta por Benárd da Costa aos mitras. Dezenas deles sem bilhete que se sentaram no chão para ver o filme “autografia” de Miguel Gonçalves Mendes. Um documentário sobre Cesáriny.
Depois de o realizador ter sido ali mesmo armado cavaleiro pelo surrealista o filme pode começar. Um momento, diz Benárd da Costa, o poeta não quer ver o documentário na primeira fila, há alguém aí atrás que se não importe de trocar de lugar como Mário. Feita a troca, apagadas as luzes eis que “ligaram a máquina”.
No fim uma ovação para o homem que durante o filme insulta quem o aplaude por tudo e por nada.
Está tudo no filme. Ou no poeta. A vida, a morte, o sexo, o amor e a irmã. Do surrealista lúcio como poucos em Portugal e do mais jovem dos Portugueses umas linhas,
Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
— ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo:
fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria e, lá fora — ah, lá fora! — rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.
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