Texto falhado
Naquele dia de sol de Inverno, para entregar a declaração anual do I R S, retirei da prateleira dos livros de direito a certeza burocrática do agrafo, a arrogância pedante das certidões e uma leve tendência para o livro amarelo. A tarefa era simples: encontrar o balcão da primeira secção da quarta contradição de finanças da área da minha residência, e entregar os impressos.
Encontrei e sentei-me, na única cadeira livre da sala cheia de gente. Aguardei.
Ao meu lado umas mulheres começaram a comentar a notícia do dia.
Como um vírus que infecta de música cada instrumento, a conversa propagou-se a cada vez mais pessoas. Na repartição, já fosso de orquestra, ouvi os solos do violino da indignação. Ouvi os tambores do ódio. Escutei os metais do asco. E atendi ao tempo quaternário, marcado pelo metrónomo dos preconceitos de cada instrumentista.
Na sala de espera da repartição feita orquestra de sentimentos, procurei o músico que estava de costas para mim. O maestro. Queria ver a cara do dono da batuta. Então, silencioso, fui nervo óptico das instrumentistas que tocavam a plenos pulmões, o clarinete da vergonha, com que classificavam os actos do protagonista da notícia do dia.
Vestido num fraque preto, de sapatos rasos e com um laço murcho, eis o maestro. Ou melhor a maestrina. A dona da batuta era a ignorância; que, vestida a rigor, dirigia a indignação, o ódio e os preconceitos acordados pela notícia.
- Desculpe lá… mas já passou a sua vez. Eu chamei. Já vou no 27 e o senhor é o 12. Veja bem… Agora, se quiser ser atendido vai ter de esperar até ás 4:30 que é quando a repartição fecha e o meu colega o pode atender.
- Mas…
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