o melhor que sei
O homem sentou-se ao meu lado no banco do metro encostou-me a pistola ao ouvido esquerdo, premiu o gatilho e disparou: Pum!
Sempre achei que morrer assim seria um instante, um repente inconsciente, um ?não sofreu nada porque teve morte imediata?.
Mas não. Estou aqui, consciente que nem um pneu. Á espera. Aguardo, paciente e servilmente, que o projéctil da arma percorra toda a espiral do cano e me perfure os ossos da cabeça.
Penso. Penso, porque o pensamento é bem mais rápido que a bala. Não faço nada porque a bala é bem mais rápida que o gesto. Penso e nada posso fazer.
Que azar que me havia de acontecer. Morrer, assim. Não, que não estivesse preparado para morrer. Não, nada disso. Só que há dias em que estou mais preparado que outros, e hoje é um desses outros.
Que chatice morrer hoje! Hoje, que tinha ficado de ir buscar o bolo que encomendei pelo telefone. Hoje, que tinha decidido sair. Hoje, que ia passear pelas ruas plenas, e quem sabe até ganhar coragem para oferecer umas flores à linda rapariga do quinto direito. Logo hoje?
Amanhã, ou até ontem. Ontem, ontem é que devia ter acontecido. Morrer ontem, faria todo o sentido. Se tivesse morrido ontem, até agradecia. Mas hoje! Que diabo! È demasiado inconveniente. Não dá jeitinho nenhum.
Maça-me morrer hoje e aborrece-me morrer hoje. Fico furioso por me aborrecer e odeio maçar-me. Mas o pior é ter de saber isto: é ter de saber-me aborrecido e ter de me suportar maçado. E é ter esta consciência do aborrecimento e da maçada que no fundo me faz desejar a bala.
Que venha daí essa bala! Se tem de ser, pois que seja já. Vá, acelera balinha! Apressa-te, e entra em cheio na minha cabeça para me esquecer o que é a maçada e o que é o aborrecimento. Vem, há muito que te espero. Vem pôr-me fim ás 08:56 da manhã, num banco de metro partido.
Espero. A bala não chegou. Ainda. Está a caminho no cano da arma. Será que ainda demora?
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