segunda-feira, setembro 03, 2007

Intuição

Avaliar pessoas é, provavelmente, uma das coisas mais complicadas que podemos tentar fazer mas que, no entanto, necessitamos e fazemos todos os dias. A dificuldade reside em vários factores. Porque mostramos quase sempre uma face adaptada ao ambiente em que estamos, o que faz com que, se basearmos a nossa avaliação no que conhecemos de uma situação apenas esta possa ficar incompleta ou mesmo errada. Porque à vista fica, também na maioria das vezes, um lado mais agradável, mais suave, mais polido para facilitar as interacções sociais. Porque há casos em que mostramos propositadamente uma outra face, ilusória, com algum objectivo em vista. Ainda assim, mesmo com tudo isto, é possível ver para além do óbvio e conhecer verdadeiramente alguém e nem acho que seja necessário muito tempo para o fazer (um tipo qualquer escreveu um livro relativamente engraçado sobre estas coisas - Blink). Claro que algumas pessoas são mais complexas que outras mas basta fazê-lo com atenção e na altura certa, nas circunstâncias certas, que o "eu" verdadeiro sai para a luz do dia. A análise pode nem ser consciente, muitas vezes não o é, mas permite descobrir se podemos confiar em alguém, se gostamos ou não de alguém, as suas qualidades e os seus defeitos. É uma espécie de instinto, de conhecimento subconsciente. Mais pormenores aparecem com mais tempo, alguns importantes, outros nem por isso, mas o essencial revela-se rapidamente. Também é verdade que, uma vez conquistado o afecto, a amizade, a confiança, é possível deitar tudo a perder com atitudes irreflectidas. Porque as pessoas cometem erros, e, nesse caso, às vezes é possível perdoar. Porque as pessoas mudam com o tempo, o que é geralmente bom porque evita que estagnem no passado, só que, às vezes, mudam para algo que já não faz sentido. Ou porque a avaliação foi mal feita de início. Ou porque só vemos o que queremos ver. Porque não somos compatíveis com toda a gente. Está tudo no subconsciente, no instinto... esperemos apenas que não seja um instinto fatal; os picadores de gelo são tramados.

Num tema relacionado, este fim de semana revi vários amigos, daqueles de há muito tempo, num casamento. Uns estavam na mesma, outros diferentes mas retendo a essência e outros são agora perfeitos estranhos para mim. Mais gordos, mais magros, mais carecas, mais grisalhos, mais casados, mais pais, mais cinzentos... havia de tudo e deu tempo para contar histórias, actualizar detalhes, comparar estilos de vida, matar saudades, conversar, rir, aparvalhar... Foi bom! Muito bom!

6 comentários:

IM disse...

É verdade. Eu funciono assim; sou muito intuitiva e sem saber dar uma explicação lógica, a verdade é que gosto ou não gosto de uma pessoa sem mais; um 1º olhar, uma pequena troca de palavras e a empatia acontece ou não (estando ou não directamente com a pessoa em causa). A verdade é que embora tal situação não tenha, efectivamente, uma explicação plausível, é certeira. Sempre que não gostei de alguém desta forma, e embora me faltassem os motivos, as razões ( e daí as críticas dos outros: "Ó pá, fulana Y não te fez nada, porque é que não a suportas?")o tempo veio trazê-las e mostrar-me que eu tinha razão. E isto em qualquer dos casos: quando gosto ou quando não gosto. Nestes já alguns anos de vida, a intuição nunca, mas nunca me falhou...vá-se lá saber porquê...(e dispenso as explicações metafísicas para este tipo de coisas)...

Anónimo disse...

Os copos geralmente fazem deturpar a nossa intuição!
A distãncia só existe quando a amizade não é verdadeira...

Catarse disse...

Bom, nem era coisa para ser assim ao primeiro olhar, embora aceite que possa acontecer. Era mais do género da altura certa para verdadeiramente conhecer alguém. Imagina que até já conheces uma pessoa mas nunca tiveste a oportunidade para passar daquela convivência banal. Um dia acontece teres uma conversa mais profunda ou passares mais tempo numa ocasião especial que te permite aquela análise mais profunda (e ainda intuitiva) que revela a essência da pessoa. São os quinze minutos certos (figurativamente falando) que fazem a diferença para uma análise rápida e intuitiva que é não consciente porque não há tempo para processar tanta informação.

Também acho que acontece (já me aconteceu) formarmos opiniões pré-concebidas não fundamentadas e depois acabamos por as transformar em "self fulfilling prophecies" inconscientemente só para nos darmos razão a nós próprios... se fores levemente hostil sem razão para alguém, mesmo sem te aperceberes, com o tempo o efeito cumulativo dessa acção continuada acaba por fazer com que esse alguém responda de igual modo, dando-te os motivos que te faltavam de início.

Catarse disse...

poder-se-ia sempre responder in vino veritas, gin... os copos deturpam a percepção é certo mas também desinibem... dependendo do grau de intoxicação poderá ou não ser a melhor altura para os tais quinze minutos...

sobre a outra frase, ainda este fim de semana saltou esse tema à baila... por força das circunstâncias algumas pessoas afastam-se. quando se encontram pode acontecer que tenham mudado tanto que já não existam grandes bases para a tal amizade apesar dela ter sido importante numa determinada fase da vida. noutros casos ela mantém-se. é difícil afirmar peremptoriamente qualquer coisa desse género... para mim vê-se caso a caso...

IM disse...

"Um dia acontece teres uma conversa mais profunda ou passares mais tempo numa ocasião especial que te permite aquela análise mais profunda (e ainda intuitiva) que revela a essência da pessoa".Sim, claro, mas essa "análise mais profunda" é também ela condicionada pela tal "1ª" impressão e, embora possa afastar-se um pouco do desenho inicial, nunca o abandona, ou seja, se as tuas expectativas face à pessoa são positivas, tens tendência a fazer essa "análise mais profunda" traçando essa linha; se não for, acontece o contrário. Apesar de limitadas, essas primeiras impressões, elas poderão ser muito acertadas...e aí eu acho que entra a nossa capacidade intuitiva e a intuição, ao contrário de outros aspectos, não se treina, não se afina: tem-se ou não e ponto final.

"se fores levemente hostil sem razão para alguém, mesmo sem te aperceberes, com o tempo o efeito cumulativo dessa acção continuada acaba por fazer com que esse alguém responda de igual modo, dando-te os motivos que te faltavam de início".Sem dúvida, mas se calhar isso mostra que não poderia haver "grande terreno de entendimento"...e lá está: as expectativas. Nós vemos o que queremos/podemos ver...

Catarse disse...

também acho, com ou sem limitações, que o instinto tem um papel importante nessas avaliações iniciais... mas acrescento só que há surpresas agradáveis com quem pode até passar discretamente pela primeira análise e desilusões com quem até já estava num grau bastante avançado... e olha que talvez o instinto se treine ou pelo menos aprende qualquer coisa com a experiência. Por mim, salvo excepções óbvias, o meu instinto inicial é confiar primeiro e disparar depois (em caso de engano).