Opções de vida
Pela calada, sorrateiro, invisível nas sombras, aguardava vigilante. A emoção da caçada, embora não fosse a primeira, continuava a estimulá-lo. Mais do que isso; permitia-lhe suportar todo o resto do dia seguinte. Só de pensar nisso bocejou, antecipando o tédio e a monotonia que iria seguramente experimentar em mais um longo e aborrecido dia de trabalho. As vantagens daquele emprego banal neste momento escapavam-se-lhe da mente. Teve de se esforçar para recuperar a ideia que somente mantendo um exterior de normalidade, ou pelo menos de saudável excentricidade, lhe seria permitido continuar aquilo que verdadeiramente fazia o seu coração continuar a bater. Era esse o segredo. Isso e infelizmente nunca poder assumir perante ninguém as atrocidades que cometia quando estava na pele do seu alter ego. Uma pena, pensou, mas de todo necessário. Apesar de todos os livros e filmes de psicopatas que glorificavam a psicopatia dos mega-vilões geniais do crime e da violência ser hoje, mais do que nunca, graficamente atraente, sabia que a justiça era inclemente e ele não era nenhum actor de cinema. Não representava para ninguém, não tinha público nem fans, não ansiava por aplausos ou compreensão. Gostava, no entanto, um dia, de poder despejar o que lhe ia no âmago, não pela catarse nem por querer ser detido. Era mais pela conversa. O tema agradava-lhe bastante e era tão difícil encontrar alguém para discutir a parte técnica, as vítimas certas, a parte artística, os melhores métodos, o que fazer quando as coisas não correm bem, etc... Durante algum tempo alimentou esperanças de encontrar um chat ou um fórum sms sobre o assunto onde participar mas depois desiludiu-se com o que encontrou e mudou de vida; tornou-se taxista em Lisboa. Sempre dava uns trocos, podia sempre falar sobre o que lhe apetecesse que isso não era um problema, por mais estranho que parecesse o tema e matar todos os outros que o aborrecessem com temas de merda como o tempo ou o trânsito e despejá-los em Fernão Ferro.
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