sábado, março 10, 2007

Sampi - episódio 5 - A realidade

A dada altura Sampi atingiu um ponto de verdadeira saturação com o estilo de vida que levava. Era só loucura, inconsequência, inconstância. Precisava de algo mais sério. Algo mais estável. Decidiu que tinha chegado o tempo para tentar uma abordagem diferente. Afinal, depois de tantos anos de diversão com os locais, se calhar, podia agora dar-lhes qualquer coisinha em troca. Para além das bebidas, drogas e explosivos, claro. E todas aquelas formas de arte incompreensíveis que pareciam apelar de uma forma estranha ao imaginário dos humanos, como a louça das Caldas, a ripa de madeira inclinada em cima de um tijolo e os filmes do Manoel de Oliveira. Bom, mas isso praticamente não contava para a grande ordem das coisas. Precisava de sentir a realidade deles para os compreender. De estar integrado naquela realidade e não de estar acima, abaixo ou ao lado dela. Tentou ver o mundo como a maioria deles o via, adaptar a sua escala de valores à deles. Passou a usar o poder, o status, o dinheiro e os bens materiais como cartão de identificação, a medir as pessoas aos créditos e pontos, a fazer aquilo que todos esperavam que ele fizesse, procurou o que todos procuravam e, rapidamente, viu-se mergulhado num banho ácido de mentiras, decepção, expectativas frustradas, falsas amizades, segundas intenções, joguinhos de interesses, manipulações e facadas nas costas. Pensou, se isto é um jogo, eu, como sempre, vou jogar para ganhar. E, sentindo-se em casa, jogou entre os melhores e cantou as melhores canções do bandido jamais ouvidas. Se era preciso ser ordinário, ele era um bardino, se era preciso mentir ele era o Pinóquio Depardieu, se era preciso elogiar, ele era graxa pura, se era preciso ser lamechas ele desfazia-se em mel, se era preciso ser macho ele era o Stalone com esteróides (mais?!?), se era preciso dinheiro, poder e influência ele era o Onassis, o presidente dos EUA e o Papa. Dia após dia lá foi ele conseguindo tudo o que todos queriam, sem na realidade querer, fazendo tudo o que todos queriam, sem na realidade querer, tendo tudo o que todos queriam, sem na realidade querer. Apoderou-se dele uma certa sensação de mau estar e frustração inexplicável. Uma depressão intolerável que nada conseguia aplacar, não importava o que fizesse. Não sabia o que queria, o que sentia, o que faltava, para onde ia. Estava mal, deprimido. Foi então que se apercebeu de que estava agora mais integrado do que alguma vez estivera, mais próximo da normalidade humana do que alguma vez tinha estado. Era igual aos demais, comungava com a multidão na manjedoura comum. Claro que tinha os seus momentos de euforia, mas, efémeros, rapidamente se esvaíam, assim que a adrenalina do imediato se esgotava, deixando-o um degrau mais abaixo do que aquele onde estava anteriormente. Não fora um inato sentido de sobrevivência extraterrestre que o puxou daquela espiral de insanidade e teria sido uma viagem sem volta, rumo ao destino da maioria dos habitantes daquele planeta, a fossa séptica da banalidade.

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