um miminho
O guincho do metal arrastando-se na pedra rasgou a noite. Um rasto vermelho marcava o percurso por onde tinha passado o machado. A lâmina embotada testemunhava a violência dos golpes desferidos. Mas onde, quem, porquê? O cenário lúgubre e desolado não prometia nada de bom. A cara fechada do homem vestido de negro que carregava a ferramenta sangrenta também não. Já o mimo que jazia morto a uns metros dava um toque mais agradável a toda a cena, pois, como é do conhecimento público, o único mimo bom é o mimo morto. E uma vez que se tratava de um daqueles vestidos de Pierrot, especialmente irritantes, deu direito a bónus extra. 1000 pontos, diria eu. E mais 500 porque a primeira machadada apanhou-o a fazer a cena da parede invisível, que aparentemente era mais frágil do que parecia. Não se pode confiar nas paredes imaginárias como dantes para deter um bom e sólido machado de lenhador apontado com mestria ao cachaço. Louve-se a tentativa de defesa que o mimo esboçou, tentando inutilmente explicar por gestos que até nem era má pessoa. Não resultou. Se não era fácil em circunstâncias normais gesticular noções como clemência, piedade, misericórdia e prometo nunca mais ser mimo e arranjar um emprego decente, sem os bracinhos ficou tudo muito mais difícil.
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