quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Inquietação, inquietação...

A pressão negativa que a sociedade, consciente ou inconscientemente, exerce sobre os solteiros atinge hoje, quarta-feira, 14/02, o seu expoente máximo com a celebração dessa data intragável que é o dia dos namorados. Atente-se à hipocrisia comercial dos slogans que prometem amor eterno a quem comprar pneus, uma casa ou aquele iogurte torna-se quase insuportável, fazendo crer a todos que a recompensa da felicidade a dois vale todos os sacrifícios e que está mesmo ali ao virar da esquina, rápida e acessível. Não há filme, canção, anúncio ou festa que escape (filme obrigatório para dia 14/02: No soy vos, soy yo). Os restaurantes estão cheios de casais enamorados que, ainda o ano passado, diziam as mesmas frases feitas a outra pessoa qualquer e que, para o ano, as dirão a outra diferente. Tudo se suporta para não se ficar sozinho, derradeiro falhanço social ao que parece, desde discussões constantes a feitios incompatíveis. As pistas do final inevitável estão lá mas o tal "amor" mascara tudo isso e faz-nos estoicamente continuar a tentar adiá-lo. As estatísticas estão mesmo a nossa frente, com o número de divórcios a subir e o dos casamentos a descer ou a sua duração encurtada (quando um casamento dura menos que uma BIC algo está errado). As trocas constantes de par na nossa geração reflectem bem a futilidade de copiar o modelo dos nossos pais, o de uma relação para sempre, e fazem-nos sentir miseráveis por falharmos. A questão é que os tempos mudaram e agora nada dura mais do que um instante. O emprego, o carro, a casa, a relação. Outros objectivos de vida, pérfidos na deturpação do sentido último da vida – a perpetuação da espécie - mas verdadeiros para o egoísmo da felicidade individual, contribuem também para este cenário que ganha contornos de realidade com o envelhecimento da população. Estamos desadequados, desenquadrados e complicados (ouvir conversa entre Danny Archer e Solomon Vandy, no Diamante de Sangue, sobre objectivos de vida); lutamos para cumprir com o plano da geração anterior sem perceber que já não é a nossa. Agora é a intensidade do efémero que conta, é o experimentalismo do imediato, é queimar todos os cartuchos porque, de facto, não há motivo para os guardar. Para quem, para quê? Não há nenhuma grande ordem das coisas, não há nenhum significado escondido, não há recompensa ou castigo eterno à nossa espera no final, ou pelo menos, é essa a sensação que fica ao observarmos o dia a dia. Apesar de tudo, este frio modo de pensar, quando confrontado com a chama da paixão ou perspectivado pelo filtro cor de rosa do amor, não tem a mínima hipótese, pois não há abordagem racional possível perante a loucura irracional desses sentimentos. Claro que existirá o amor verdadeiro mas, ao que parece, como tantas outras coisas, está a sentir algumas dificuldades com este cínico estilo de vida, e é espantoso como, se quantificássemos em 10% as vezes em que é mesmo verdadeiro, estaríamos todos incluídos nesses 10% e os outros é que seriam a vasta maioria dos iludidos. Tadinhos deles. Resta acrescentar que, nas circunstâncias certas, me comportarei e comporto como os demais, ou pior ainda, escravo voluntário de um romantismo incurável que procura o mesmo que todos os outros; o final feliz! Bom dia dos Animais para todos!

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