quinta-feira, setembro 15, 2005

João Deão 20


João está sentado na última fila da plateia. O espectáculo já começou. João não consegue olhar para o palco. Observa a rapariga à sua frente. Tem um casaco de malha cor-de-rosa claro apertadíssimo e umas saias compridas, enrugadas e com brilhos. João matou o cavalo e arrancou-lhe os olhos com os dedos. Vê o perfil do peito através da malha do casaco. João abriu a veia jugular do cavalo com a fivela do cinto. Observa os pés da rapariga nas costas da cadeira da frente. Encaixou a massa do animal num dos compartimentos privados da enorme casa de banho do teatro, e, viu uma maré de sangue sair por debaixo da porta. A rapariga apanha os cabelos e prende-os com um elástico; em contra luz, a linha do seu pescoço que se inclina para se expor ao fresco. O sangue avançou em leque pelo chão imaculado, impelido pelas golfadas que saíram do pescoço do cavalo contorcido dentro da boxe feito matadouro. A rapariga agita as saias e descruza as pernas, João escuta o som das coxas húmidas a separarem-se.

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