segunda-feira, agosto 15, 2005

Notas de verão 1



Hoje, o que mais desejo é não ter este gosto. Ou melhor, este desgosto, profundo horrível e pungente. Odeio chinelos. Os de enfiar no dedo, especialmente se tiverem a bandeira do Brasil, dão-me cãibras no estômago tão intensas, que todas as salmonelas de uma maionese ao sol, durante um casamento no dia 15 de Agosto, não me dariam tantos vómitos. Os de solas grossas, feitos para caminhar, dão-me dó. Dos pretos, fechados à frente, desconfio mais que de um jesuíta simpático, ou de duas velhinhas que na rua me querem dar a ladainha das testemunhas de Jeová.
Mas hoje, queria não ter este gosto. Esquecer quem sou, e usar por uma hora que seja, as havaianas oferecidas com o MacPitta. Tento. Calço-os, quer dizer enfio-lhes o dedo (com é feio o gesto, a separar o que Deus uniu) e levanto-me decidido. Vou à cozinha. Se até consigo lidar com o aspecto, o som derreou-me. O chinelar derrotou a tentativa visceral e honesta de usar chinelos este Verão. Por isso estou assim, de pés inchadíssimos, macerados pelo calor. Com a pele cozida e cair em grandes folhas. As unhas são uma papa esbranquiçada, assadas pela canícula, que tento manter na ponta dos dedos para que a parte de baixo não infecte. Coisa que aliás só consigo no mindinho do pé esquerdo, os outros dedos exibem coloridas e quentes infecções. Sentado na varanda com os pés em cima de uma velha mesa, olho com resignação para estas duas patas brutais e vejo, numa veia mais saliente, o meu coração latejar. Como gostava de gostar de chinelos.

As aventuras de João Deão seguem a seguir.

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