Anita dia 160
Hoje, o fornicador não veio. Ainda. Atrasado apenas, pois ele já cá está, que eu já o ouvi. Ainda me arrepio com aquele assobio fininho a sair por baixo de um bigodito que apara milimetricamente. O reverberar das notas abruptas pelos corredores nus e cinzentos desta casa mortuária denunciam-nos.
Hoje, não há putas, hoje o único que partilha o gelo comigo é um homem velho. Gostos, há para tudo, e assim como assim, quero ver até onde vai o javardo para esvaziar os tomates.
O velho tem 79 anos e era barbeiro. Começou a varrer os cabelos cortados na barbearia do pai aos 9 anos. Aos 12 aparou as primeiras patilhas e foi com 15 que cortou o primeiro cabelo. À máquina primeiro e depois à tesoura de corte. Uma "corneta" importada da Alemanha. Feita da uma liga levíssima.
Se houve coisa que nunca faltou a este homem foi formação profissional. Essa teve-a, e dada pelo melhor. O seu pai. Excelso babeiro da cidade.
Pois este homem, íntimo das pilosidades visíveis masculinas há mais de 60 anos, formado pelo melhor babeiro, próximo das suíças, amigo dos pêlos do nariz e privando mesmo com aqueles que se espetam para fora da orelhas e parecem lançar-se sobre o vazio, este homem - dizia- nunca, mas nunca, cortou um cabelo como deve ser. Cortou cabelos durante 60 anos, fez moscas, limpou cavanhaques, desfez bigodes e desenhou barbas, mas nunca, mas nunca, conseguiu fazer uma franja certa, uma nuca sem tesouradas ou uma linha direita numa barba. Nunca... e se não era por falta de bons mestres e tempo de treino, certamente que não era por desleixo, preguiça ou ignorância. Este homem era o primeiro a chegar e o ultimo a sair. Dedicava-se, estudava e trabalhava tanto como tanto fora o talento de seu pai. Uma tigela sem desníveis, é que nada. Um dia decidiu que ia deixar de ser babeiro. Morreu no dia seguir. Ontem. Hoje está aqui. A arrefecer e a ter o anûs desflorado por um empregado com um bigode que parece um traço de carvão. O empregado corre-se. docemente pega numa colher. Com os dedos em forma de pinça, iça as pálpebras do barbeiro. Revira-as para trás. Com a colher, num gesto certo, alavanca o globo ocular para fora da órbita direita. O som peganhento do olho verde no chão. E a classe de umas sandálias hospitalares a calcarem o pedaço orgânico. Vista vazada, nova entrada -pensou a ervilha que tem dentro da cabeça-. Então, com a excitação que todos estes preliminares lhe provocaram, penetra resoluto a cara desfigurada so barbeiro.
Enfim... tanta encenação para afinal? não passar de um intelectualizar simbólico-orgânico do sexo.
2 comentários:
Um belo exercício de sanidade mental, apesar me ter obrigado a atrasar a hora do almoço :(
Muito bom.Adorei
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