Do ódio ao oblívio
Na escala das emoções negativas, sinto-me indeciso entre o que será pior e tardo em chegar a uma conclusão definitiva. Penso que dependerá do ponto de vista - origem ou visado. A primeira parece-me que, qual Bonsai de trato extremoso, necessita de cuidados, de rega, de alimentação regular para dar frutos. A segunda acaba por decorrer do laxismo e da preguiça, embora traga consigo um maior descanso de espírito. Ser odiado platonicamente deve custar menos que ser esquecido ostensivamente; por outro lado, odiar, ainda que talvez mais efémero, é mais catársico e gratificante no imediato enquanto que esquecer, se bem feito, pode ser para sempre. Dúvidas, dúvidas...
Acarinhar um ódio de estimação resolve imensos problemas de consciência. Basta ir carregando, como se de um crapot se tratasse, com todas as agruras da vida até tal sentimento se tornar um astro de grandeza e massa crítica suficientes para poder ser descarregado numa só purga (algum cuidado para manter o core deste reactor controlado para não entrar em fusão, destruindo tudo em redor). Eu tenho a minha fornalha interior particular onde incinero todo o "lixo" que não quero cá dentro a amargurar-me ou deprimir-me. A privação de um bom ódiozinho ardente pode mesmo provocar a aparição de um estilo delico-doce enjoativo a ser combatido a todo o custo. O resto, o que me dá igual (passe a colagem ao espanhol da expressão, mas gosto bastante de a usar), relego para o limbo do esquecimento por pura inutilidade. Nem para motivação serve.
Todos temos, assumidamente ou não, esta necessidade intrínseca, paralela à de amar mas de sinal contrário, que também reconforta e satisfaz. Motivo de união entre aqueles que as partilham, pode ser um ponto de partida para tanta coisa. Embirrações. Ódios. Ascos. Irritações. Raivas. Fúrias. É cuidar deles com esmero e descarregar antes que inquinem. Viva o ódio, racional ou não, fundamentado ou cego, criticável ou aceitável, particular ou de massas. Desde que não seja mesquinho... esses são para esquecer.
4 comentários:
Não podia discordar mais...
Hummmm...esse ódio de que falas, esse tipo de ódio, é mais uma espécie de sentimento de culto...algo muito trabalhado, muito intenso...roça mais uma admiração recalcada...ou até um processo de transferência...por aí...
(hora de psicanálise:Dra. Freud)
Esta coisa do ódio tem muito que se lhe diga de facto...Ao longo do tempo vamos tendo uns ódios de estimação. No meu caso, muitas vezes, coisa passageira. Mas há um que alimento desde que o sítio onde trabalhei mais tempo fechou. Curiosamente é relativo a uma pessoa de quem tinha gostado e que admirava...Essa criatura e alguns dos que a rodeavam ficaram-me verdadeiramente engasgados. É que nem tinha de alimentar o ódio. Ele estava ali, visceral, robusto, forte - sempre pronto a dar um de sua graça.
Mas a Dra. Freud é capaz de ter alguma razão - uma admiração profunda que é gorada profundamente...Dá nisto. Para além de tudo é criatura (como tantas, mas esta cruzou-se comigo de perto) cujo lema de vida é "dividir e mentir para reinar". Prejudicou demasiadas vidas(um massacre diário e um massacre futuro) e um grande projecto de trabalho - o projecto era um brinquedo na mão de quem tem sempre um padrinho para lhe dar o próximo brinquedo para estragar.
...Não sei porquê estou a sentir uma ligeira náusea...
há vários graus para este magnífico sentimento, desde a simples implicância até ao ódio visceral... cada um para sua situação.
poucas vezes, mesmo poucas, cheguei perto do extremo da escala, agora nas embirrações... ena tantas!
coisas menores à parte, também concordo que os grandes rancores têm de nascer de outros sentimentos... se são recalcamentos ou transferências, não sei mas seja como for há uma ligação entre um extremo e outro da escala.
mas há quem discorde... e a pergunta terá de ser: de quê? de sentir coisas destas? também prefiro evitar mas de vez em quando não dá mesmo. forgive & forget? volto ao mesmo, nem sempre dá.
e já que não dá para evitar ao menos que sirva como motivação... pelo menos comigo funciona.
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