quarta-feira, outubro 27, 2004

Anita, dia 153



Passei a noite a pensar na causa de morte da puta que ontem aqui deu entrada. Como o empregado nem sequer a despiu antes de a foder, não consegui ver se tinha algum corte profundo ou alguma marca que justificasse a morte. Não costumo preocupar-me muito com a causa da morte: um acidente, uma doença , o que for, aos mortos nada disso interessa. Mas despertaram-me a atenção as golfadas de sangue que a puta cuspia ao ritmo da fornicação do empregado. Para cuspir sangue é porque teve que ser cortada de alguma forma. De alguma forma ínvia as veias e as artérias estavam a fazer curto-cuircuito com as vias respiratórias.
Se isto da curiosidade nos vivos pode matar, nos mortos é o que distrai. Não resisti e fui espreitar o papelinho que pendia por um cordelinho de mercearia do dedo grande do pé. "numero 31". Muito bem. Ao armário. Um envelope depois, e eis que a senhora puta, afinal não era puta. Era uma mulher deficiente mental que se mascarara de prostituta para uma festa de bruxas no hospital psiquiátrico onde vivera durante 15 anos. Aí, parece que um outro doente, seu namorado, um psicopata com comportamento violentos, não percebeu o disfarce e num ataque louco de ciúmes, deixou-se tomar pela raiva de ver a mulher amada vestida para despertar o desejo porco dos outros homens. A faca do bolo da festa e uma força sobre-humana encarregaram-se de misturar os tubos do sangue e os tubos do ar.
Uma puta morta por amor. Eis alguma coisa que poucas mulheres podem dizer que lhes tenha acontecido. Eu, por exemplo, morri num acidente ocasional. Numa conjugação fortuita de acontecimentos parcelares sem qualquer intencionalidade. Se me tivesse atrasado, estaria viva. Mas ela não. Bastaria que o namorado a imaginasse naqueles modos lascivos e nada nem ninguém o impediria de a perseguir até ao fim do mundo para a matar. O orgulho desta mulher. Ser capaz de despertar noutro ser humano a vontade de matar. Raro, muito raro.

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