quarta-feira, outubro 27, 2004

Anita, dia 153



Passei a noite a pensar na causa de morte da puta que ontem aqui deu entrada. Como o empregado nem sequer a despiu antes de a foder, não consegui ver se tinha algum corte profundo ou alguma marca que justificasse a morte. Não costumo preocupar-me muito com a causa da morte: um acidente, uma doença , o que for, aos mortos nada disso interessa. Mas despertaram-me a atenção as golfadas de sangue que a puta cuspia ao ritmo da fornicação do empregado. Para cuspir sangue é porque teve que ser cortada de alguma forma. De alguma forma ínvia as veias e as artérias estavam a fazer curto-cuircuito com as vias respiratórias.
Se isto da curiosidade nos vivos pode matar, nos mortos é o que distrai. Não resisti e fui espreitar o papelinho que pendia por um cordelinho de mercearia do dedo grande do pé. "numero 31". Muito bem. Ao armário. Um envelope depois, e eis que a senhora puta, afinal não era puta. Era uma mulher deficiente mental que se mascarara de prostituta para uma festa de bruxas no hospital psiquiátrico onde vivera durante 15 anos. Aí, parece que um outro doente, seu namorado, um psicopata com comportamento violentos, não percebeu o disfarce e num ataque louco de ciúmes, deixou-se tomar pela raiva de ver a mulher amada vestida para despertar o desejo porco dos outros homens. A faca do bolo da festa e uma força sobre-humana encarregaram-se de misturar os tubos do sangue e os tubos do ar.
Uma puta morta por amor. Eis alguma coisa que poucas mulheres podem dizer que lhes tenha acontecido. Eu, por exemplo, morri num acidente ocasional. Numa conjugação fortuita de acontecimentos parcelares sem qualquer intencionalidade. Se me tivesse atrasado, estaria viva. Mas ela não. Bastaria que o namorado a imaginasse naqueles modos lascivos e nada nem ninguém o impediria de a perseguir até ao fim do mundo para a matar. O orgulho desta mulher. Ser capaz de despertar noutro ser humano a vontade de matar. Raro, muito raro.

Boçalidade

Acho que a publicação do post anterior merece uma explicação. Publiquei-o por três razões:
1.ª-Porque é a prova de que a parte bonita de ser boçal é que há sempre alguém mais boçal ainda;
2.ª-Porque neste caso particular as pessoas até esperam que as claques de futebol sejam boçais, pelo que aquelas tarjas atingem o alvo em cheio sem chocarem particularmente as pessoas;
3.ª-Porque a polícia obrigou os elementos da claque a retirarem aquelas tarjas sem que eu perceba porquê...
A senhora em causa nem merece tanta publicidade, mas teve muita piada...

Diabos Vermelhos, olé!


Benfica-Nacional Posted by Hello
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Para a história

As fotos dos comissários que já não o serão. Aqui.

Ridículo

adj. que provoca riso; prestar-se ao ~ apresentar-se ou proceder de forma a provocar riso ou troça



terça-feira, outubro 26, 2004

Anita, dia 152



Há cento e cinquenta e dois dias que aguardo que alguém me venha buscar.
Eis que chega mais uma puta. Morta. Daqui não consigo perceber se se nota a causa da morte. Acho que está inteira. Odeio quando as putas chegam inteiras. O empregado começa a despir-se. È sempre a mesma história com o tipo que faz as escalas às terças. A rapariga deve ter mais cinco ou seis anos que eu, e não é difícil perceber que tem uma deficiência mental qualquer. A cabeça é demasiada grande para aquele corpo pequeno que o empregado já começou a foder. Como eu gostava que ela passasse ao estado de "rigor mortis" neste instante. A cabeça enorme bate inerte contra o inox da mesa de dissecação. O som parece vir directamente das nádegas peludas do empregado que se contraem ao bater contra o corpo. Para a frente e para trás, um anel de brilhantes num dedo, risca o metal da mesa. O som o é finíssimo e arrepia. Apesar de assistir a isto todas as terças-feiras, confesso que ainda me causa uma certa angustia ver este gajo magro a fornicar como um animal os orificio dos corpos que aqui apanha. Acho que é da vulnerabilidade destas peças de carne prestes a serem desmanchados pelos vermes e acho que é da solidão e do silêncio. Depois de o empregado se vir para cima desta mulher, depois dele apagar as luzes, não se ouvirá mais nada. Nada. Nem o som de umas molas de colchão que estalam quando alguém se vira e nem o dos lençóis a serem puxados. Não há um barulho que humanize este o escuro. É isso que me arrepia.

Sinto-me um pouco Marcelo

Num ano e quatro meses de escrita na Gabardina, pela primeira vez tive um texto pronto que não postei por medo das consequências que isso pudesse vir a ter para mim.

O post era, de qualquer maneira, justo e importante e, para quem conhece Coimbra, ele vem escrito hoje nas páginas do Diário da mesma (piada também só para Coimbrinhas).

Posto isto, vou empurrar o sapo com um copo de águas de Coimbra.

Quem anda a tramar a OPEP?

Esta subida rídicula dos preços do petróleo é algo de muito estranho, que nenhuma guerra no Iraque ou greve na Noruega pode explicar. As consequências de curto prazo estão à vista: subida generalizada dos preços, imprevisibilidade dos mercados, diminuição do crescimento económico dos países mais desenvolvidos.

Mas a longo prazo esta subida tem consequências bem mais graves. Os países cujas economias estão muito dependentes da exportação de petróleo não percebem que cada mês que passa com os preços neste nível são vários meses de avanço na investigação para a sustituição dos derivados de petróleo como combustíveis.

E o que se esperava vir a acontecer dentro de 20 ou 30 anos, poderá estar à porta no início da próxima década: carros e máquinas a hidrogénio, ou ar comprimido, ou seja lá o que for e a consequente diminuição drástica das importações de petróleo.

Estes países perdem a oportunidade de fazerem o caminho para o desenvolvimento vendendo a sua maior riqueza natural e o resultado poderá ser trágico. Para eles e para o mundo.

As perguntas que se impõem são: quem ganha com tudo isto? E quem tinha obrigação de os avisar e não o está a fazer?

segunda-feira, outubro 25, 2004

Anita 1


Os especialistas dizem que os textos sobre morte, sangue, morticínio, cemitérios e afins são uma fase. Os especialistas acham que o caminho tende sempre para a construção de romances apoiados na experiência de cada um. Não sei se é do cheiro a formol deste necrotério, se dos cadáveres com quem partilho o sono, a verdade é que só me dá para escrever sobre a grande ceifeira. Sou bem capaz de ter ficado para sempre a meio do caminho literário convencional. O que tem sentido, pois eu própria fiquei a meio do meu.
Morri. Isso mesmo. Morte morrida. Escrevo morta. Tenho 16 anos, chamo-me Ana, e morri num acidente de automóvel. Culpa do condutor. Eu limitei-me a atravessar a estrada na passadeira, depois de olhar para os dois lados. Excesso de velocidade, álcool e um broche da pendura foi a receita mágica. O camião acertou-me em cheio. Ambulância, hospital, reanimação e o pizinho da máquina continuo.
Morrer não foi problema, na verdade o impacto foi tão brutal que nem o recordo muito bem, o problema foi o que se passou a seguir. Como não levava identificação pessoal, ninguém sabia quem contactar, e por isso jazo ainda nesta morgue fria à espera que alguém relacione uma falta para jantar com um atropelamento. O que vai ser difícil, pois o outro lugar na mesa tem 70 anos e nem se lembra do nome. È pena ter esta consciência de que provavelmente ficarei aqui para sempre.
Por isso, escrevo para passar o tempo, para não me aborrecer e para encontrar algum sentido em estar morta. As histórias que se seguem serão honestas. Apenas contarei o que vejo e o que me contam os corpos que por aqui passam. Serão as histórias que os vivos nunca saberão e os segredos que só os mortos podem recordar. São a verdade de quem morreu.
Nasci há 16 anos, morri há cinco meses e começo hoje a contar as histórias que escuto nesta morgue.

Sobre o Buttiglione

só temos uma coisa a dizer: façam o que quiserem, mas que fique claro que nós avisámos com tempo que não aceitaríamos o Durão de volta.

Dúvida

Quando o ministro das finanças fala de princípio do utilizador-pagador em relação à Saúde, para que servem o governo e o sector público?

Continuamos cada um por si? Duvido que 99% dos políticos portugueses consigam sobreviver assim... Mas, por mim, vamos a isso?

O Captain, my Captain!



Percebi este fim-de-semana - obrigado SIC Gaja - que uma das coisas que Portugal precisa de fazer é subir à sua mesa e ver-se de outra perspectiva. Claro que para simultaneamente gritar "O Captain, my Captain!" seria fundamental ter alguém merecedor desse nome. Um dia ele sairá do meio do nevoeiro...

Eu decidi que, assim que os tempos o permitirem, não mais deixarei de chupar o tutano da vida. Foi por me ter esquecido de o fazer que cheguei aqui. Mas depois de sair deste lugar triste não volto a pôr cá os pés.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Dúvida existencial

Quando o que os outros consideram que são as nossas qualidades são as coisas que nós consideramos que nos prejudicam, e o que eles consideram os nossos defeitos são as coisas que achamos que nos ajudam, onde é que se mete o requerimento para mudar de mundo?

Último post sobre este assunto

Gert Jan Verbeek:
"O Benfica foi roubado contra o FC Porto"

Mas ele deve ser suspeito...

Benfica-Porto e PSG-Porto

Descubra as diferenças
Entre estas duas imagens há uma pequena diferença, que foi decisiva para o desfecho dos últimos dois jogos do FCP. Descubra o que está errado e faça-lhe uma cruz por cima:



quarta-feira, outubro 20, 2004

dia de hoje

Hoje foi um dia especial para este Pais. O primeiro-ministro afirma a um jornal alemão -que pensa que por ser estrangeiro não é lido em Portugal- que "já basta de contenção orçamental". O ministro da presidência vai ao parlamento dizer que embora tenha sido ele que acabou com o Acontece na RTP2, alterou o contrato de concessão da RTP, acabou com os conselhos de opinião na RDP e RTP, e que vai criar um centro de imprensa para o governo, não quer, não pretende e tem ódio de quem ousa influenciar os conteúdos editoriais da televisão pública. Os lobos não comem erva, e esta gente não hesitará a pôr a pata, na liberdade de expressão. Quando policias exibem as suas caçadeiras de canos cerrados, atiçam os seus cães e agridem estudantes...

terça-feira, outubro 19, 2004

Animal político


GWB Posted by Hello
Recebido por e-mail.

Olha a cabala fresquinha!!!!!!

Neste governo tudo o que tem a ver com peixe é, claramente, ideia do Paulinho das feiras!

Ministro Gomes da Silva sugere cabala do "Expresso", PÚBLICO e Marcelo Rebelo de Sousa

E os próximos passos são fechar o Público e o Expresso, ou o governo contenta-se com a substituição das equipas editoriais?

Como estes testes nos fazem bem ao ego...





Você é "Imensidão Azul" de Luc Besson. Você é sonhador, único. Muito sublime e encantador(a).

Faça você também Que
bom filme é você?
Uma criação deO
Mundo Insano da Abyssinia




Obrigado abóbora!

segunda-feira, outubro 18, 2004

O meu programa de Governo

Porque acho que não vale dizer mal sem propor o que se acha ser melhor e porque, muitas vezes, aqui e noutros sítios, digo mal do que fizeram os governos em Portugal nos últimos dez anos, aqui fica o que seria o meu primeiro esboço de um programa de governo:

Saúde
Garantir a prestação de todos os cuidados de saúde, pelo sector público, a todos os que desejem usá-los.

Exigir que todos os profissionais de saúde que trabalhem no sector público o façam em regime de exclusividade (período de transição - 2 anos).

Proibir as empresas da indústria farmacêutica de fazerem ofertas de qualquer tipo a médicos que trabalhem no sector público.

Acabar com as restrições à abertura de farmácias.

Educação
Exigir que todos os professores que trabalham em escolas públicas cumpram horário completo.

Acabar com todos os subsídios a escolas privadas (incluindo as escolas e universidades católicas), garantido cobertura total através de escolas públicas no ensino obrigatório.

Fazer um pacto de regime que inclua pelo menos os dois maiores partidos, para definir os programas de ensino e as estratégias para a educação, válido pelo menos por dez anos.

Finanças e Administração Pública
Aumento imediato do salário mínimo nacional para 550 euros mensais (e da reforma mínima para o mesmo valor). Aumentos de 10% em cada um dos primeiros anos para todos os salários entre 550 e 1250 euros (excluindo os que tivessem beneficiado do primeiro aumento).

Reduzir a despesa corrente do Estado todos os anos ao longo de uma legislatura - 8% nos dois primeiros anos e 5% nos dois seguintes, de forma a reduzi-la para cerca de 75% da actual. Quase nenhuns motoristas (só o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-ministro e os Ministros teriam direito a um motorista cada, em toda a administração pública), muito menos secretárias, corte radical das despesas com ajudas de custo, despesas de representação, telefones e telemóveis, parque automóvel, papel, tinteiros e toners, racionalização dos edifícios do estado, indexação séria das contratações para a função pública a uma percentagem (menos do que 100%) das reformas do ano anterior.

Fazer um pacto de regime que inclua pelo menos os dois maiores partidos, para definir o desenho do governo, especificando todos os ministérios, secretarias de estado, outras entidades que a eles pertencem e as respectivas áreas de intervenção, válido pelo menos por dez anos.

Reduzir a taxa de IRC para 15%.

No terceiro ano da legislatura, acabar com os benefícios fiscais para as despesas de saúde e educação comprovadas com documentos de instituições privadas de prestação de serviços (hospitais, clínicas, consultórios e escolas) e simultaneamente redução da taxa normal de IVA para 17%.


Ambiente
Todo o parque automóvel do estado e todos os transportes públicos passam a utilizar a energia menos poluente possível.

Os edifícios do estado são obrigados a fazer reciclagem e a utilizar energias alternativas.

Economia
Centralizar toda a promoção turística e económica do país numa só instituição, utilizando a estrutura mundial de delegações de que dispõe o ICEP.

Passar para a responsabilidade de entidades independentes todas as áreas que devem ser geridas por princípios técnicos e não políticos (energia, ambiente, transportes, comunicações, etc...).

Defesa
Redução substancial da despesa com Defesa.

Afectação de todos os militares à limpeza da floresta portuguesa quatro dias por semana.

Cultura
Acabar com todos os subsídios à produção cultural, incentivando as entidades privadas ao mecenato através de fortes benefícios fiscais.

Obras Públicas
Responsabilizar contratualmente as empresas construtoras pela conservação das próprias obras (especialmente estradas) durante o seu período de vida útil.

Reinaldo's

O Sr. Reinaldo Teles é a verdadeira alma do FC Porto. Um homem com um enorme talento para descobrir novos valores. Os seus estabelecimentos Granada, Calor da Noite e Diamante Negro são os melhores exemplos disso...



Golo? Não...

Contenção

Porque me ando a tentar conter sobre o jogo de ontem, ficam as palavras de outros, dos que são insuspeitos:

Como sportinguista, só posso dizer que gostei muito de ver os jogadores do Porto a trabalhar. Sobretudo aqueles que estavam vestidos de preto.
Daniel Oliveira

Como dizia um portista, grande amigo meu

Nós sabemos que quase sempre roubamos, mas roubadinho ainda sabe melhor...


Roubo Posted by Hello

sexta-feira, outubro 15, 2004

O pontilhismo orgânico.



Andar pela cidade tem coisas assim. Vai uma alminha a pensar na vida em passo de pensar na vida, quando de repente no centro do centro, num sítio por onde passam milhares de pessoas diariamente, uma forma estranha entra pelo enquadramento dos olhos e um novo movimento na arte nasce. A técnica utilizada pelo artista é o chamado pontilhismo orgânico e pode ser encontrada nos passeios, nas escadas e em alguns casos de virtuosismo técnico em paredes.
O pontilhismo orgânico, ou mais vulgarmente designado por vomitado, exprime através da cor, densidade, forma, continuidade, projecção e textura, toda a identidade idiossincrática do artista. Pela obra que descansa em cima da calçada, é possível ao olhar experimentado e critico, avaliar todas as influências daquele quadro. Se a arte é resultado de determinadas condições histórico-materiais então o pontilhismo orgânico é disso o exemplo acabado. Se, para além da representação figurativa, a pintura pode ser ela própria a representação do movimento ou do gesto, como em Pollock por exemplo, então o pontilismo orgânico, vulgo cabritado, assume-se hoje, como o maior desse expoente. Não são os gestos do braço, mas as pulsões violentas do estômago, não são os traços longos, mas os desvios das ancas.
Recém chegado aos movimentos da arte, este tipo de pontilhismo não pode deixar de ser "engagé" politico-ético-filosoficamente. Comprometido com a limpeza do vestuário, com a direcção do vento e com a fluidez das linhas.
Arte democrática, popular e acessível a todos o pontilhismo orgânico sofre do movimento censório típico das sociedades burguesas. Se o grafitti conseguiu vencer o lápis azul dos funcionário das edilidades, o vomitado no passeio luta todos os dias contra esses esbirros do poder opressor. Deixem o vomitado em paz e assim se defenda a ultima cristalização artística da cultura urbana deste princípio de século

quinta-feira, outubro 14, 2004

Clássico

Há uns dias alguém me falava da Ucal como um exemplo de má imagem ou de imagem datada. Por favor, não acabem com os símbolos da minha juventude. A garrafinha da Ucal não é velha, nem datada. É um clássico, como o mini ou o carocha, ou a garrafa de coca-cola.
Há que beber. Mas só naqueles copos grossos, com gomos verticais de sete ou oito milímetros de largura. Noutro copo não sabe ao mesmo...



Bons velhos tempos

Bons tempos esses, em que as revoltas dos estudantes eram boas e justas.
Bons tempos em que os revoltosos eram garbosos rapazes lutando contra um sistema injusto.
Boas revoltas, feitas com categoria e inteligência. Basta ver como estão os revoltosos desses tempos hoje: abastados professores, políticos, médicos, advogados e jornalistas. Boa gente, digna, fato e gravata, dedicada à causa pública e também à privada. Grandes carros, boas casas, gente famosa. Por aí se vê a qualidade dessa gente.
Mas hoje deixem-nos em paz. Estamos no poder e não temos paciência para meninos que acham que o seu sistema é injusto. Se não gostam vão-se embora! E por isso escrevemos e nos revoltamos nos jornais. Sim, nos jornais onde nos PEDEM para nós escrevermos a nossa opinião. Textos que as nossas secretárias alinhavam e passam e que, depois de uma ou outra correcção, as mandamos enviar para as redacções. "Encarrega-me o Sr. Dr. de lhe fazer chegar o seu texto sobre..."
Bons tempos em que ajudámos a fundar esta justa e bela sociedade em que vivemos hoje. Não eramos como estes miseráveis, apesar de alguns deles nos copiarem as barbas...

Texto sem fim

È impressão minha ou os carregadores de telemóveis que se compram nos indianos cheiram a caril. Seria impressão minha, se eu não tivesse aberto um, e visto com os meus próprios olhos. Sim! vi com os meus olhos que o interior de um carregador que custa 2,99 Euros num indiano, cheira a caril. Vi que cheira? Bem, talvez ao abrir para ver, então, me cheirasse ao que já me cheirava cá fora: a caril.
Um carregador de telemóvel é coisa fácil de construir. Na Suécia trinta mecanismos hidráulicos, na Índia um miúdo de seis anos. Na Suécia o cheiro a esterilizado, na Índia o cheiro a caril. O cheiro... e o próprio caril, pois senhores, que eu fique já aqui ceguinho, se dentro do carregador de telemóveis nokia que eu ontem desmembrei pacientemente ao almoço depois de comer uma maçã starking vermelha, não havia um liquido. Um liquido acastanhado, denso. Com pigmentos de várias formas e feitios. Faltava o arroz, mas que aquilo era caril... Ah, isso era!
Feita a descoberta e lamentado o arroz, juntei as peças do carregador-cataplana e lixo com ele. Depois, desci a escadas, desci a rua, e subi ao chinês mais próximo. " queria um carregador para Nokia". Passada a barreira linguística, eis que dentro de uma malga de arroz adeuzinho-adeuzinho, surge um carregador que qual ambientador "Brise" expele um gracioso cheiro a banana fá-si. Incrédulo voltei à loja onde aliás continuo, mas agora escrever este "post". Entrei, e fui logo indicado para a parte escondida da loja. Direita, esquerda, corredor em frente, desce escada...bem, estou cercado por caixas de cartão num armazém sem fim. Perdidíssimo... há uns computadores velhos de onde escrevo...e mais nada. Caixas, caixas e mais caixas.

quarta-feira, outubro 13, 2004

Pagar e calar em Saúde, ou o futuro do ex-SNS

No Mar Salgado a tripulação discute a Saúde em Portugal. O Capitão não vê nenhum mal em que haja lucros na Saúde, e nas suas palavras percebe-se a total descrença na competência pública para gerir.

O caminho que seguirão os Hospitais SA é fácil de adivinhar: os maus hábitos de trabalho nos hospitais, a incompatibilidade da eficiência do trabalho médico com o lucro dos consultórios privados dos médicos e o poder da indústria farmacêutica dentro dos hospitais levarão, inevitavelmente, a défices nas contas no fim de cada ano. Premeditadamente ou não, o governo alegará que não tem capacidade financeira para novos aumentos de capital dos seus hospitais e, logo de seguida, os principais credores (grandes grupos financeiros interessados na área da saúde) dirão "se não nos pagam, passamos a ser os donos dos hospitais". O primeiro-ministro fará uma comunicação ao país afirmando que a privatização dos hospitais é um caminho desejável e que, no fundo, há males que vêm por bem e... estará concluído o processo de privatização.

Mas entre os vários problemas que a privatização dos SA coloca, um se destaca: na área de influência de um hospital privatizado, esse hospital será monopolista na prestação de cuidados hospitalares. E o Estado será, praticamente, o seu único cliente. Quem tem o poder de fixar o preço dos cuidados nesta situação? O fornecedor, obviamente, já que o cliente (Estado) não pode recusar-se a consumir. E quando o hospital decidir cobrar pelos seus serviços valores muito superiores ao seu custo, o que fará o Estado? A única coisa que pode fazer: pagar e calar...

terça-feira, outubro 12, 2004

o gato

Era uma vez um gato. Um gato, tão gato que apenas por uma vez ficou doente. A dona, e no fundo empregada do gato há mais de 6 anos, levou-o ao veterinário. Radiografias, uma punção lombar e uma zaragatoa no animal, foi o suficiente para que o felino se curasse e a dona se apaixonasse pelo veterinário. Se o amor da dona pelo médico dos bichos, demorara 20 minutos a nascer, o do médico dos bichos pela dona explodiu instantâneo quando ela entrou pela porta com o felino nos braços.
"Se o gato está curado, nunca mais a irei ver". ? pensou o clínico. Se calhar, em vez de uma sutura absorvível pelo organismo gatal, uma mais antiga e a exigir o retorno ao consultório para retirar os pontos enormes, garantirá que a saudade não se prolongue por mais que uma semana.
E ela voltou. E ele tirou os pontos ao gato. Mas de novo o mesmo problema. Gato curado, dona longe. Por isso, um pequeno mas certeiro pisão na cauda felina, garantiu um tratamento com 5 mudas de pensos, duas suturas e uma pequena intervenção cirúrgica. E de novo o gato estava bom. E isso era mau: para ela que o deixava de ver e para ele que a deixava de ver. Por isso, uma palmada na parte da perna do animal que só os veterinários sabem onde é, garantiu um gesso, uma operação, fisioterapia e a manutenção daquele amor por mais três meses.
Este amor não tinha cartas, não tinha mensagens, nem sequer tinha telemóveis, este amor tinha um gato. Ou ia tendo pois o bicho, escrito como as árvores de mensagens dos amantes tinha já decido fugir. Com a fuga aristocrata planeada, o bichano lançou-se à estrada. Ora, os tratamentos dos últimos meses, os períodos de convalescença e as sessões de fisioterapia, retiraram a este animal toda a agilidade que noutra ocasião lhe tinha permitido sem dificuldade desviar-se do carro que o projecta no ar, o faz rodopiar e cair de queixos no chão. O barulho dos pneus acordou a dona. " estás a ver, ainda não estás bom para sair, tens de ficar melhor." Com um sorriso e com duas metades de gato nas mãos foi ter às urgências com o veterinário. E pela primeira vez ia estar com ele à noite

Alguns não

Encontro o poema nos Inseparáveis. E não resisto a publicá-lo. Deixam, assim, de existir blogs portugueses que nunca tenham postado um poema de Sophia Andresen... Um dia tinha que acontecer...

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Linguagem gestual

Fui eu o único a achar que os gestos que o Santana fazia com a mão direita enquanto falava estavam indicados nos papeis do seu discurso?

segunda-feira, outubro 11, 2004

vá lá diz lá

O que irá Santana dizer aos portugueses hoje à noite? Qual será o segredinho que ele sabe mas que não conta a ninguém. A gabardina mandou um fax para o gabinete do primeiro-ministro a pedir o discurso de logo à noite. A primeira resposta foi um "não" redondo. Depois enviou outro na linguagem do Primeiro-Ministro: "vá lá diz lá, vá lá diz lá, vá lá diz lá, vá lá diz lá, vá lá diz lá, vá lá diz lá, vá lá diz lá" as respostas foram respectivamente: " não, não, não, não, não posso, pá não dá, eu gostava mas não posso, está bem mas é segredo". A resposta chegou. Santana Lopes vai anunciar ao país a sua receita preferida de mousse de chocolate. Foi para isso que ele convocou todos os Portugueses para as 20:00 de hoje.

Quem é que quer explicar aos miúdos

que o Super Homem morreu?

sexta-feira, outubro 08, 2004

Insónia maldita

Hoje acordei às quatro da manhã, sem explicação aparente. Liguei a televisão na Sic Notícias, só para saber as horas. Aparece-me este senhor Luís Pais Antunes, secreário de estado de qualquer coisa, a quem estava a ser perguntado "Se os salários dependem da produtividade, por que é que em Portugal os gestores de topo ganham como os melhores do resto da União Europeia e os trabalhadores com salários mais baixos ganham muito menos em Portugal que nos outros países da União Europeia?" A resposta foram muitos ahhhs e hmmmms, e algumas coisas sem sentido como o reafirmar de que a produtividade é mais baixa em Portugal e que "isso depende dos sectores".
Este infeliz impulso de ligar a Sic Notícias às quatro da manhã valeu-me uma hora de insónia. Uma hora cheia de vontade de partir um nariz a murros.
Pergunto mais uma vez: como é que estes tipos chegam ao poder em Portugal?

quinta-feira, outubro 07, 2004

Perfeito

Elfriede Jelinek, mulher, austríaca, filha de um judeu que fugiu aos nazis na segunda guerra mundial, ganhou o Nobel da literatura.
O mundo é muito melhor quando temos a consciência tranquila por sermos politicamente correctos. Hoje os membros do Comité Nobel vão dormir como anjos, debaixo dos seus fofos cobertores!

Que gente é esta?


Que gente é esta que manda calar comentadores, mas confunde chicana com "chincana"? Que gente é esta que lê com enfado os discurso de estado mas usa e abusa da sua segurança? Que gente é esta que elogia os 100 paus diários a mais dos militares, mas gasta biliões em submarinos? Que gente é esta que todos os dias desmantela o aparelho de estado para dar de comer às suas empresas, mas enche a boca com a liberdade de concorrência? Que gente é esta que manda navios de guerra bloquear a entrada de pessoas no Pais, mas vai buscar recrutar miudos aos centros comerciais?
E que gente é esta que aceita continuar ao lado dessa gente? E que gente é esta que os acompanha e aceita os convites? Os 1200 nomeados por Santana, quem são? De onde vêm? O que é sabem?
Que gente é esta? E que quente é esta que os respeita a todos? e que Pais é este que respeita esta gente?
Esta gente vem dos tons amarelos e azuis, vem das camisas cor-de-rosa, vem dos sapatos finos de sola branca, vem das barrigas de cerveja com 20 anos, vem da juventude com charuto na mão. Esta gente não quer saber. Deseja apenas deliciar-se com imagem de ter um motorista, um lugar de garagem nas avenidas novas e privar com quem aparece na televisão. È a gente "que telefona primeiro e vai depois", é a gente das férias no Algarve e na neve e da lua-de-mel nas Maldivas. È a gente que tem sempre convites para levantar nos teatros e nos cinemas.
E o Pais? o pais vem do medo parolo e ignorante. Vem de uma revolução que nunca o foi. Vem de uma Europa que iguala tudo, menos os salários, a qualidade dos serviços públicos e a justeza do sistema fiscal.
Hoje Portugal é assim. Pais governado por miúdos. Putos, ignorantes, brutos. Mal criados e marialvas. Sem vergonha na cara e boçais. Com os dentes branqueados e nós de gravata brutais. E os fatos, e os fatos... às riscas, clarinhos e castanhos, assentes em gravatas moles, camisas de tédio e botões de punho. Os botões de punho...senhores...os botões de punho?

Com esta língua maldita

A preça é inimiga da perfeissão.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Um grande número 2

Retirou-se hoje dos campos de basket Scottie Pippen, o fiel escudeiro do melhor jogador de todos os tempos. O 33 dos Bulls estava para o Michael Jordan como o Sancho Pança para o D. Quixote ou como o Sexta-feira para o Robinsoe Crusoe: os segundos dificilmente poderiam ter sido famosos sem os primeiros.
Pippen é o último da mítica equipa (Paxson, Jordan, Pippen, Grant e Cartwright) a sair dos Bulls, virando uma página da história do basket. Ainda lá tenho umas VHS com imagens como esta:


A partir de agora

quem quiser rir ao domingo à noite terá que se contentar com o Herman Sic ou com a Quinta das Celebridades...

Marcelo Rebelo de Sousa abandona TVI após conversa com Paes do Amaral

Que dia é hoje ?

Hoje é quarta-feira.
Na verdade, é quarta-feira porque se convencionou assim, porque não há ninguém, hoje, que sinta este dia como quarta-feira.
Hoje, é segunda-feira. E é segunda, porque ontem foi Domingo. As pessoas foram à praia, estiveram com os familiares, recuperam da noite anterior e sentiram a angústia de voltar ao trabalho no dia seguinte. Hoje: segunda-feira.
Os calendários da semana, antes de serem uma convenção que todos seguem, deviam ordenar os dias segundo o modo como cada um o sente. Sim, porque há segundas-feiras, que parecem sextas, quartas que se "pensava que já era quinta" e sextas que são idênticas a terças. Acontece esta confusão porque cada dia tem um sentimento típico diferente. A expressão " tomara que chegue sexta-feira" explica-se porque quem isso deseja, sabe por uma razão qualquer que às sextas se sente melhor.
O primeiro trabalho de quem quer ter um calendário verdadeiramente útil para ele próprio é escolher uma palavra que defina cada dia da semana. Depois, é só ordenar os dias da semana conforme o modo como se pretenda que ela decorra. Assim, se sexta-feira for um dia especialmente feliz, nada mais a fazer que colocar a sexta logo depois do domingo, evitando assim a angustia de domingo à tarde e a violência das manhãs de segunda.
Ordenados os dias, o mais difícil está feito. Resta apenas o pormenor de tentar articular cada dia com os outros

Revolução ou...

No seu discurso do 5 de Outubro, Jorge Sampaio apelou a que sejam feitas rapidamente as reformas de que o país necessita. Sem fugir do gravíssimo momento que a sociedade portuguesa atravessa, Sampaio fez mesmo o paralelismo entre o momento actual e a fase de indefinição e falta de coragem para a mudança que representou a governação de Marcelo Caetano.

Ora a governação de Caetano culminou com a revolução de Abril de 74. Este apelo de Sampaio vem na última hora. Ou quase. Tenho a convicção de que se as próximas eleições legislativas forem disputadas por Sócrates e Santana já não haverá caminho democrático para trás. A mediocridade, a vigarice e a corrupção estarão de tal forma instaladas no poder que só poderão acabar com uma ruptura com o actual sistema. Através de uma revolução ou de qualquer outra coisa parecida.

terça-feira, outubro 05, 2004

Texto retirado do Forum do Jornal Expresso.



Mais um texto para defender os blogs como novissimo meio de comunicação "peer to all".


"Trata-se da Compta, cujo presidente é o meu amigo Vitor Magalhães,
pelo que sei o que se passa.

- Em primeiro lugar o Vitor é padrinho do filho mais velho do Bagão Félix.

- Em segundo lugar, o anterior ministro encomendou o programa e
testou-o, tendo verificado que funcionava muito bem.

- Em terceiro lugar, a nova ministra resolveu mudar a matriz
inicial 3 dias antes do arranque do concurso, sabem o que ela quis
alterar? Criou um código especial, que desde o momento que fosse
anexado a um professor, automáticamente ser-lhe-ia atribuida a escola
da 1ª preferência. Um espécie de cunha informática, percebem?

Só que a alteração à última hora deu cabo do algoritmo central e bye,bye
programa.

Os comentadores deste Forúm apelaram para que eu dissesse algo mais
acerca da negociata Compta/PSDPP, mas pouco mais se pode acrescentar,
excepto:

- Verifiquem as colocações da Escola EB 2+3 da Murtosa.
- Verifiquem as colocações da Escola Secundária Rodrigues de Freitas no Porto
-Verifiquem as colocações na escola Renato Amorim em Setubal.

Ou então,

- verifiquem os pagamento no valor de 325.652,00 à Compta em Maio
de 2004, mais um pagamento de 658.321,00 em Julho de 2004, e, mais
aberrante ainda, o pagamento da última tranche do contrato de
desenvolvimento de 987.325,00 no dia 20 (VINTE( de Setembro de 2004.

Mais informo que o contrato de assitência no valor de 250.000,00 euros
anuais tem a duração de 15 anos.

Para terminar, informo V. Exªs que o
David Justino tem uma participação de 30 por cento na Compta através
da holding "International financial investiments PLC´ com sede nas
ilhas Cayman.´"

segunda-feira, outubro 04, 2004

Post não demagógico

Hoje ao almoço, nos telejornais, falou-se de fome em Portugal (há muito tempo que eu não ouvia falar assim de fome em Portugal).

Enquanto isso, nos restaurantes mais caros do país, almoçavam ministros, com os seus secretários de estado, os respectivos chefes de gabinete e assessores, enquanto os motoristas de todos esperavam, sentados no banco do condutor, a ler o Record.

Entretanto, os assessores do Santana e do Bagão comiam uma sandocha enquanto discutiam a melhor maneira de explicar aos portugueses que os salários só poderão aumentar 2,2% no próximo ano.

os novinhos

Recordo que aqui há uns bons anos, no tempo do ciclo preparatório e dos primeiros anos de liceu, havia um determinado gesto em tudo igual às situações de hoje em que um puto novo é convidado para exercer um cargo de muita responsabilidade. Refiro-me concretamente à limpeza do quadro e dos apagadores. Recordo que nesse tempo quando o professor, poder, pedia para alguém lhe apagar o quadro, logo uma dúzia de criancinhas se precipitava para a ardósia na esperança de poderem ser elas, a ficar com os pulsos cheios de pó de giz, marca da sua importância na sala de aula. Noutros casos, não havia um convite geral, mas era escolhida uma criança em particular, para desempenhar as abluções de início ou de final de aula.
Hoje o professor é outro, as aulas são a própria vida e há mais crianças. Tudo o resto é idêntico. Existe o desejo de servir, o desejo de aceitar qualquer migalha do poder instalado. A necessidade de sentir um elogio do professor, o desejo de ser obediente, a perfídia da submissão: tudo isto em nome da ilusão que sendo empregado do professor se pode ser o próprio professor e que sendo empregado do poder se pode ser o próprio poder. E o pior é que pode. Pode mesmo. Para se chegar ao poder ou ao professorado tem que se ajudar o poder ou os professores. Porque só assim é que o poder, reconhecendo no seu empregado alguém que partilha das suas premissas, permite a sua ascensão, pois assim assegura que os seus próprios privilégios estão garantidos no futuro.
Tantas palavras para dizer: ? do you minete? I minete you, if you broch me.

Prestígio dos economistas II

Na manhã do passado sábado, num zapping radiofónico, paro uns minutos a ouvir uma entrevista do Sérgio Sousa Pinto, pensador da era Sócrates, à TSF.

No meio de um chorrilho de barbaridades e banalidades sobre economia e, sobretudo, finanças públicas, o Sérgio, em tom jocoso, afirma que os economistas são muito bons a analisar os problemas depois de eles terem acontecido.

Já com as outras ciências é exactamente ao contrário, caro Sérgio! Os médicos, por exemplo, estão constantemente a analisar doenças que ainda nem existem...

Prestígio dos economistas

Poucas classes profissionais defendem tão mal o seu prestígio como os economistas. Poucas delimitam tão mal o seu raio de acção e conhecimento. Talvez por falta de uma ordem forte, mas como eu antipatizo com as ordens profissionais, não vou por aí.

Ainda na semana passada tive mais um exemplo do fraco prestígio dos economistas em Portugal. Numa conversa de amigos, e estando presentes três pessoas que passaram pelo menos cinco ou seis anos das suas vidas a estudar a ciência económica e os seus mecanismos, discutia-se se hoje é melhor, em termos de dinheiro gasto/investido, comprar ou arrendar casa. Ora as duas pessoas presentes que não são da área da economia tinham uma opinião forte sobre o assunto, e estiveram largos minutos a discordar dos seus amigos. Por fim, talvez tenham ficado convencidas...

Agora imaginem a situação ao contrário, com dois economistas a discordarem de três médicos, durante largos minutos, sobre o melhor tratamento para a hipertensão...

sexta-feira, outubro 01, 2004

Narrar

O trânsito, a vida e a narrativa escolhem sempre o caminho que lhes permita avançar. O trânsito enerva a vida e a vida é explicada pela narrativa. Narrar é contar, e contar é ordenar tornando inteligíveis as experiências vividas. Compreendê-las. Por isso as pessoas inventam narrativas, histórias. Quem conta uma história, partilha uma experiência, explicando-a. As histórias, todas elas, têm em última análise uma função: incorporar a realidade caótica, na racionalidade humana. O que se não compreende na realidade pode compreender-se através de uma história. Narrativa. Tudo é narrativa. A própria História é narrativa. Se queremos compreender as fronteiras da Europa, temos de contar uma história. Para percebermos a morte de alguém contamos uma narrativa. Para justificarmos um qualquer facto juntamos todos os factores que o precederam, unificamo-los com um sentido e concluímos com o resultado: esse facto. Isto é narrar: Ordenar e dar sentido. Racionalizar o real.
Ah! e depois há a poesia...

Caminho (II e III)

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro - te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

*

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar - encher a alma.



Camilo Pessanha

Telefonar sem stress


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