sexta-feira, outubro 12, 2007

A verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade?!?

A verdade, expoente máximo da relatividade, tem-me surgido ultimamente sob as suas mais variadas formas, em vários momentos e situações. Há a verdade dos factos, matemática, fria, implacável e que, mesmo assim, por vezes, teima em ser deformada para se conformar aos superiores desígnios de quem a tenta controlar. Neste aspecto em particular, trabalhar na indústria tem servido para me elucidar sobre este assunto - uma assinatura e uma data são suficientes na maioria dos casos, ainda que, por vezes, seja necessário algo um pouco mais elaborado. Seja. Podemos sempre vender para mercados menos exigentes ou incluir um disclaimer no folheto informativo: Reacções adversas - O que não mata, engorda. Adiante. Melhor que o 2+2=5 com que me confronto profissionalmente, ficam as verdades temporárias. Pena é que nem sempre se lembrem de colocar o aviso: Esta verdade autodestruir-se-á dentro de 30 minutos. Por favor abstenha-se de agir em conformidade com versões desactualizadas a seguir a esse período de tempo. Outro tipo ainda refere-se às verdades que, na verdade, não precisamos de saber - a chamada need to know basis. Isto pode ser 1) muito enervante quando nos apercebemos que estamos a ser levados por tolos; 2) muito conveniente quando o melhor mesmo é nunca saber para não termos de agir em função desse conhecimento; 3) absolutamente indiferente e só ocupa espaço. A questão está toda em quem decide essa need to know e, muito importante, qual o grau de confiança que depositamos nessa pessoa e os riscos que estamos dispostos a correr baseados nessa confiança. Há também a verdade como nós a vemos, nem sempre consentânea com aquela vista por outros ou com a realidade, e, dessa disparidade, nasce a necessidade de termos amigos fiéis para nos ajudarem, para nos abrirem os olhos, para dizerem aquelas verdades inconvenientes, para serem as lentes que nos corrigem a visão deformada, para nos trazerem os pés de volta à terra ou para nos darem aquele empurrão que nos tira os pés do chão. Muito más são as verdades cruéis, a verdade de arremesso, aquelas que nos atiram à cara da pior forma possível, sabendo que sabíamos ou não, pelo gosto de apreciar o impacto no muro de cimento da realidade não amortecida. Também não é bom andarmos a alimentar verdades que não o são, como aquela do pior cego, o que não quer ver, ou só vermos um lado dessa verdade, como se tivéssemos palas nos olhos que nos obrigassem a uma perspectiva cubista das coisas ou polarizadores que nos obriguem a uma realidade a preto e branco, sem tons de cinzento intermédios. Ainda assim melhorzinhas, ficam as verdades libertadoras, que nos tiram um peso de cima quando reveladas ou confirmadas. Gosto também do equilíbrio de verdades, entre uma visão ligeira e simplificada do mundo, de uma verdade assim um pouco naif e despreocupada, do género "uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa", e uma visão absolutamente paranóica e delirante (versão da verdade também disponível a seguir à administração de LSD) em que não uma coisa pode não ser só uma coisa, como pode até ser uma coisa pequena e peluda com muitas patas, dentes e garras. Já dizia o Mulder, the truth is out there, e, procurando bem, acho que conseguimos encontrar uma verdade para cada um de nós. A que melhor nos convenha. A que nos faça mais felizes. A que melhor se encaixe naquilo que procuramos.

Como dizia outro dia em conversa, ainda que nem tudo o que digo deva ser entendido como a verdade convencionalmente aceite, até porque é sempre bom deixar uma margem para mal entendidos, innuendos, segundos e terceiros sentidos, trocadilhos e confusões, no que realmente importa, na minha ordem de valores, claro, já que não posso usar outra, sou absolutamente sincero - I always tell the truth, even when I lie. Recuso-me, de momento, a revelar a tal escala a conselho do meu advogado e porque a CMVM - Comissão de Mercado de Valores (A/I)Morais - suspendeu recentemente a sua cotação na bolsa por suspeitas de especulação.

A verdade é perigosa, a verdade liberta, a verdade magoa, a verdade desperta. E, ah, é verdade, se vão mesmo ter de aldrabar, não sejam apanhados... parece verdadeiramente mal.

1 comentário:

IM disse...

Dificilmente consigo pensar em alguém que tão sublimamente tenha tocado este tema complexo: Camus,esse fantástico perscrutador de almas...ele diz assim em "O Mito de Sisifo" (pp.28-29!):

A primeira diligência do espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. No entanto, logo que o pensamento reflecte sobre si próprio, o que primeiro descobre é uma contradição. Seria ocioso procurar, neste ponto, ser-se convincente. Ninguém, há séculos, deu uma demonstração mais clara e mais elegante do caso do que Aristóteles: "A consequência, muitas vezes ridicularizada, dessas opiniões é que elas se destroem a si próprias".

Porque, se afirmarmos que tudo é verdadeiro afirmamos a verdade da afirmação oposta, e, em consequência, a falsidade da nossa própria tese (porque a afirmação oposta não admite que ela possa ser verdadeira). E, se dissermos que tudo é falso, essa afirmação também é falsa. Se declararmos que só é falsa a afirmação oposta à nossa, ou então que só a nossa e que não é falsa, somos, todavia, obrigados a admitir um número infinito de juízos verdadeiros ou falsos.

Porque aquele que anuncia uma afirmação verdadeira, pronuncia ao mesmo tempo o juízo de que ela é verdadeira, e assim sucessivamente, até ao infinito.

IM