Sampi VI - A batalha (parte I)
Sampi, confortável com a vida que há já algum tempo levava errando por todo o espaço-tempo desta esfera terrestra à qual chamamos Terra e à qual ele chamava, carinhosamente diga-se, ermo perdido no canto errado da galáxia, mas do qual, no fundo, no fundo, bem lá no fundo do poço negro e recôndito a que ele chamava alma, lá debaixo daquela camadinha de lodo apodrecido e fétido que revestia um recanto esquecido do seu âmago extraterrestre, até tinha acabado por gostar bastante, estava a passar por um período de acalmia generalizada em todos os aspectos da sua até agora bem turbulenta, ainda que divertida e educativa, travessia desta parte do universo. Quem diz acalmia generalizada diz entropia apenas ligeiramente abaixo do encontrado num tornado grau 5. E isso era estranho. Muito estranho. Não tão estranho quanto os chinelos de quarto de Sampi, feitos a partir de dois exemplares de uma espécie de texugo trombudo venenoso já extinta, mumificados em âmbar e enfeitiçados para andarem sozinhos e atenderem pelo nome (trobix e trombão, esquerdo e direito, respectivamente), mas mesmo assim atingindo um grau razoável de esquisitice na escala de Pikuynwickz-Schyzovrenius. Sampi sentia-se irrequieto, incomodado, nervoso, agitado mas isso nem era o pior e deve ter sido o sushi de baleia de ontem que não estava bem morto. Sentia comichão, formigueiro, calor, vermelhidão e apareceram-lhe umas borbulhinhas suspeitas mas isso devia ser uma doença venérea desconhecida apanhada no seu último safari. Levantou-se. Sentou-se. Mexeu-se. Remexeu-se. Coçou-se. Foi-se deitar. No dia seguinte estava na mesma com uma diferença subtil. Deitou-se na cama na sua mansão e, ao acordar, estendeu a mão para a mesa de cabeceira e encontrou apenas uma pilha de escombros. Tentou o outro lado com o mesmo resultado. Abriu os olhos. Escombros. Tacteou a cama. Escombros. Casa de banho. Corredor. Sala. Escombros. Escombros. Escombros. Isto começava a ficar monótono. Pensativo, perambulou ao acaso e pontapeou distraído o resto do plasma enquanto ponderava as hipóteses que poderiam explicar o sucedido: Copos? Nahh, só tinha bebido as três garrafitas de vinho da praxe ao jantar e a habitual garrafa de scotch antes de dormir. Drogas? Nope, o haxixe já não faz este efeito e a cocaína não bate assim. Azia? Nem por isso; o Benfica ganhou. Mau feitio? Até podia ter sido mas, como sempre, tinha tido o cuidado de arrasar uma montanha depois do ginásio e sentia-se relaxado. Isto era coisa de outra pessoa, e mais, este estilo era-lhe familiar... será que... humm... mas.... bolas... nem pensar... no entanto... deixa ver... AAAAAAHHHHHHHHHHHH! Estropício!! Estupor!! Alarve!! Estava mesmo a ver isto! Tinha de ser ELE!!! Vai pagá-las!!!
(to be continued)
2 comentários:
e primeira frase com 10 linhas rebentou-me todo!
sou grande fã da mui nobre, ainda que em desuso, arte das frases dentro das frases, quais matryoshkas gramaticais, labirintica e elaboradamente interligadas até quase todo o sentido da frase principal, enganadoramente simples, se perder para sempre nos meandros do acessório, obrigando assim a mais que uma leitura apenas para descobrir, com a respectiva desilusão, que se tratava de algo básico e que podia muito bem ter sido escrito em duas penadas...
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