quarta-feira, outubro 31, 2007

Os canhanhos de cinema

“Outra margem” de Luís Filipe Rocha, tem como matéria-prima as silhuetas planas e distantes, em que cada um de nós se transforma, quando esconde dos outros as suas fragilidades. Tal qual, as personagens deste filme. Maria, Mãe de Vasco esconde-se por detrás do esforço e dedicação ao filho. José, pai de Maria e Ricardo, esquiva-se à reconciliação. Ricardo recusa a morte do namorado. E Luísa, abandonada no dia do casamento por Ricardo, espera -ainda- o noivo. Personagens separadas pelo rio da incomunicabilidade.
Porém há Vasco. Um rapaz que precisamente pela sua fragilidade, consegue resgatar das margens as personagens isoladas e fazê-las renascer. É, neste sentido, que este filme trata da superação da morte. Não física, mas da morte emocional que implica viver à margem dos outros. Para cada personagem, e para cada um de nós.
Dos actores, destaco Tomás Almeida (Vasco). Este não só nos torna cúmplices do seu ponto de vista, como cria com Maria d´Aires (Maria, mãe de Vasco) com Horácio Manuel (avô) e com Horácio Manuel (tio), uma relação de ternura e simplicidade que há muito não via no cinema Português. Recordo três momentos exemplares: a festinha na cara da mãe enquanto esta trabalha, o almoço com o avô, e o modo como se aproxima do tio quando este dorme no quarto. Mas se tudo isto, são apenas ideias de realização a que os actores conseguiram dar a melhor interpretação, foi o realizador, que na montagem materializou as ideias com sons e imagens. Recordo a valsa de olhares entre mãe e filho, depois de este dizer que escutara o tio a chorar; e a montagem em paralelo de Ricardo a cantar, e a cremação do seu namorado.
Em “Outra Margem” Luís Filipe Rocha recupera a nota documental que marcou o início da sua carreira. O filme, através das actividades quotidianas das personagens, regista o dia-a-dia das pequenas cidades do interior: o trabalho de Maria na fábrica, a idas ao cinema, as compras da semana, e os novos espaços de diversão nocturna. E assim, constrói um ambiente de dia-a-dia concreto. Muito delicado e muito difícil. Porém, e aqui reside o que mais me afastou do filme, esta sensação de quotidiano a acontecer, é quebrada por alguns diálogos abstractos, e por uma utilização lírica de partes da música. Ora, abstracto e lírico é o que o filme seguramente não é. É por isto que merece muito ser visto. Pois apesar da transparência das suas imagens e sons, há emoções e sentidos genuinamente humanos.

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