segunda-feira, junho 04, 2007

Ralações...

Intrincadamente entretecido na psique humana está a necessidade de confiar, de acreditar. Mesmo ao lado moram, no entanto, o medo e o preconceito. Profundamente enraizados e ligados pelos sempre presentes circuitos neuronais de castigo-recompensa que nos movem, estas duas faces da mesma moeda fazem de nós aquilo que somos, entidades duais, balanças de dois pratos que oscilam entre o equílibrio total que tolhe e o desequilíbrio unilateral que igualmente paralisa num extremo.

Realmente não há melhor sensação que a da entrega, a da confiança cega em alguém a quem nos entregamos (assim como não há pior que a traição). Como no exercício de reforço da confiança, é bom saber que temos alguém que nos apanha quando caímos de costas ou de olhos fechados. Como uma criança indefesa que adormece nos braços de quem confia. Mas basta uma queda, uma falha, uma traição para que tudo retorne ao zero. Então se a queda for grande fica a marca gravada que nos impede de voltar aos anteriores níveis seja com quem for. Jogamos à defesa, com cinismo e ironia, para auto-defesa. E como isso se sente ninguém se aproxima muito o que reforça a coisa num ciclo vicioso. Pelo menos durante uns tempos, até que a verdadeira natureza do que somos volta ao comando. Para quebrar esses ciclos, recuperada a coragem, é preciso correr riscos e cair mais e mais vezes, principalmente quando vale a pena a recompensa (embora tenha de admitir que existem correntes contra as quais não vale a pena remar, por fortes demais, dessimuladas ou traiçoeiras – mas temos de as descobrir por nós próprios).

Sempre gostei do risco. Confio sempre mais do que devia. Atiro-me sempre de cabeça, por impulso, para contrariar. Tudo a 110%, sempre a fundo, sempre excessivo. Se gosto tudo se resolve. Se correr mesmo mal não há volta atrás nem perdãozinho barato ou cínico em nome das aparências. Detesto pragmatismo de sentimentos – as coisas vivem-se, sofrem-se e gozam-se da mesma maneira, com a mesma intensidade. Quem se defende da dor e do falhanço também não vibra com a alegria e com a vitória. Quero lá saber do que é sensato, do que é razoável, do que devia ou não fazer, de meios termos e compromissos. Vivo no sonho do Marc Franz. Vivo nas tiras do Roy Lichtenstein e do Frank Miller. Vivo no jardim das delícias de Hieronymus Bosch. Claro está que às vezes vivo na fase escura do Goya. No grito do Munch. Na abstracção de Kandinsky (resquícios dos museus no fim de semana em Madrid).

Até agora já descobri muito do que não quero, do que não resulta. E acredito, continuo a tentar, a mudar, a crescer, a aprender, à procura do que resultará, do que fará sentido da maneira que quero que faça. Para ser mais claro estou a falar da vida em geral. Do que quero fazer (nada do que fiz até agora certamente), do local onde quero viver (Lisboa chega perto, muito perto; gosto bastante, mas será?), do estilo de vida que quero ter (isto já está mais assente, só faltam detalhes), de quem quero para ficar ao meu lado... (ui ui...). Já devia ter mais juízo (ou menos) por esta altura mas acredito que as recompensas chegam na directa proporção das tentativas pelo que não deixo de tentar nem me contento com menos do que espero...

10 comentários:

IM disse...

Belo post, Catarse. Gostei MESMO de lê-lo. Gostei de sentir essa consciência desperta, tingida de lucidez sem nunca perder, contudo, a dimensão do sonho, do encontro, da harmonia.Gostei muito do que disseste sobre a noção de entrega...esse cair para trás de olhos fechados totalmente vulnerável...as marcas da queda quando não fomos amparados ou quando resvalámos...como disseste e bem, a queda serve para nos voltarmos a atirar de um modo diferente, claro, porque a maneira de entender a queda também muda...

"Sempre gostei do risco." Eu também, embora aposte num risco controlado e "refriado" pela razão; "Confio sempre mais do que devia". Menos agora... as quedas são agora acompanhadas de um mini pára-quedas ou de um mini colete salva-vidas; "Atiro-me sempre de cabeça, por impulso, para contrariar". Atiro-me, de cabeça, mas com capacete; "Tudo a 110%, sempre a fundo, sempre excessivo". Podia ser eu a dizer isto, eu que sou a apologista do limite e do 150% em tudo, sempre a fundo, sempre no esforço máximo, seja ele do corpo ou do espírito.

"Quero lá saber do que é sensato, do que é razoável, do que devia ou não fazer, de meios termos e compromissos". Isso. O meio termo é deprimente...pelo menos para mim; também não gosto de nada pela metade, assim-assim, ou mais-ou-menos (como te compreendo...).

"E acredito, continuo a tentar, a mudar, a crescer, a aprender, à procura do que resultará, do que fará sentido da maneira que quero que faça". Exacto. É mesmo só isso que nos faz crescer e sabermos o que não queremos é muito e permite-nos riscar muitas coisas da lista.
E tens eazão quanto às recompensas...se nos contentarmos, se dissermos "sim", se nos acomodarmos, ficarmos satisfeitos, sossegarmos as perguntas...acabamos.
A tudo isto eu chamo determinação, lucidez, coragem de assumir a diferença....olha, parabéns pelo post, MESMO. Está agora a falar a IM séria, sem brincar...gostei de ler este post...passou para o lado de cá um Catarse diferente daquele a ques estava habituada. Gostei de ver (ler).
;-)
IM

g. disse...

Partindo do princípio que quem evita "o risco" para não sofrer, sofre em igual medida a ausência de sentimento - "arriscar" ou "viver" são de facto bons princípios. Dada a relevância da coisa para os comuns mortais, resolvi dissertar sobre o assunto no Arroz de Casca a 1 de Março. Ora bem: para nos atirarmos a 150% para as coisas temos de facto de acreditar nelas. Porque se partirmos da ideia de que as coisas que nos correm mal se repetem constantemente, fechamo-nos numa clausura de vazios.
Viva portanto H. Bosch, que nos faz imaginar as tentativas e nas recompensas!
Continuo é a questionar os "mini-coletes de salvação" para a "confiança" que, às vezes, queremos e presisamos tanto que existam, e que na prática não estão lá...Precisamos muito deles e sofremos se não os pomos em funcionamento... mas, se estivessem lá, não estaria a nossa "crença" abalada à partida? Não seria a nossa entega menos genuína?

Catarse disse...

Face a estes elogios estou sem palavras... :)

IM disse...

Ora essa...é mesmo verdade. Foi um dos melhores posts que já li no linha do "post sério"!! =)
IM

IM disse...

Sim, Arroz,se o "moni-colete de salvação" de que falei não é mais, em rigor, do que a ausência da VERDADEIRA crença...mas já é tão difícil não levar colete, não é? O próprio acto de levar o colete já marca a forma como encaramos o trajecto: difícil e de onde, certamente, pretendemos regressar vivos....
=)
IM

g. disse...

É muito difícil não o levar, mas o que posso dizer é que, por vezes, ainda me faço ao mar sem colete... esquecendo-me de que não sou um desenho animado e que posso não "regressar viva".
Por outro lado, a vida e os sentimentos vividos com genuinidade e sem jogos ou subterfúgios sabe TÃO BEM... São momentos de crença verdadeira que podem ter uma factura muito alta.

IM disse...

...e factura por factura, já nos chega o Holacusto...eheheheh...também há alturas em que damos mergulhos suicidas de despenhadeiros com um ridículo mini-colete de salvação que até nos sai pela cabeça fora dada a velocidade com que caimos a pique...splashhhh...esborrachamo-nos cá em baixo...mas também sabemos que nunca teremos um mergulho daqueles e que o oxigénio gelado que nos entra peito dentro, o cabelo entregue ao vento e a irremediável queda, nos concedem aquela liberdade do "nada, mas nada me podes segurar agora!"...yupiiiiiii....splasshh

g. disse...

Looool! Gostei muito do final: "yupiiiii...splasssh!". Até me fez esquecer a "dor da factura"!

IM disse...

...e da fractura, possivelmente!!!! eheheheh
IM

g. disse...

Eheheheh!... :)