quinta-feira, agosto 05, 2004

fragmento


António acordou pela primeira vez mais cedo que a mulher. Todos os dias desde que se casara, Maria acordava primeiro que António e preparava-lhe com todo o amor o pequeno-almoço. Depois do pequeno-almoço António iniciava uma rotina que pouco tempo e pachorra lhe dava para estar sozinho. Os filhos, o emprego, a mulher, os avós, por esta ordem, António sempre esteve ocupado nestes anos de casado. Mas hoje, hoje acordou mais cedo que a mulher. Uma dor, um ardor uma comichão, não sei, o que foi, sei que hoje António acordou pela primeira vez mais cedo que a mulher. Sentou-se na cama, cruzou os braços, e com a simplicidade das verdades ditas pelos recém acordados, pergunta-se a si mesmo:" o que é que esta senhora está a fazer ao meu lado". Meu lado, a única coisa que podia chamar sua. Levantou-se e foi ao quarto dos seus filhos. As duas adoráveis crianças ainda dormiam e António pensou: " quem são aqueles tipos? ".

Atordoado com a verdade que sentia, saiu de casa e nunca mais voltou a entrar na vida da mulher e dos filhos. Estes não compreendem, não aceitam, não perdoam e não esquecem. Ele muito menos.

1 comentário:

Elisa disse...

Há muitos Antónios. E muitas mulheres de Antónios. E muitos filhos de Antónios. Ainda bem que as verdades são sempre tantas.