O melhor aluno de um liceu de província
Há textos que estão escritos na minha cabeça e depois são puxados para fora por uma frase de outra pessoa.
Foi o que aconteceu com este. Há anos que a definição "o melhor aluno de um liceu de província" cataloga para mim uma série de pessoas com quem me cruzei ao longo do curso.
Uma série de pessoas chegadas a Coimbra no seu ano de caloiras, cheias de confiança no olhar, a citar Sartre nas conversas de café (agora Eugénio de Andrade deve estar mais na moda). São metódicos e trabalhadores, mas os exames chegam e, regra geral, a mediania é inevitável. Foi o que eu li hoje no texto do Joel Neto:
Mas eu lembro-me de quando cheguei dos Açores com uma média colossal e me armei ao pingarelho com o professor de Direito - e o homem olhou para mim, respirou fundo e, então, eu pude ver-lhe nos olhos: «Se o menino era o melhor lá na sua província, fique sabendo que os seus 130 colegas eram todos os melhores das respectivas províncias...»
O melhor aluno do liceu de província, habituado a ser monopolista de notas, passa a uma vida diferente em Coimbra: veste roupas radicais, vai a concertos dos Morphine e dos Belle Chase, não perde um ciclo de cinema polaco, embebeda-se e continuar a citar.
Quando acaba o curso, o melhor aluno de um liceu de província não volta para a terra. O Dr. volta a casa para visitar a família, mas mal dele se o seu brilhantismo não lhe permitisse viver em Coimbra, ou mesmo em Lisboa. Ninguém está disposto a deixar de ser um mito e a aceitar que é mediano.
Todos, cada um de nós em várias coisas, somos o melhor aluno de um liceu de província. Se somos craques em literatura da Lituânia, há seguramente em Nova Iorque 15 estudiosos que sabem de trás para a frente toda a escrita dos autores lituanos e mesmo esses parecem meninos de escola primária ao pé daquele especialista russo que há trinta anos não se afasta mais de três metros dos seus livros de autores cujos nomes acabam sempre em auskas.
Sempre que temos a pretensão de sermos verdadeiramente bons em alguma coisa não estamos a ser menos ingénuos que o melhor aluno do liceu de província que, chegado a Coimbra aos 18 anos, olhou para a Torre da Universidade e se imaginou, um dia, Presidente da República ou Nobel de uma coisa qualquer, na convicção de que eram essas as coisas importantes na vida.
4 comentários:
:) genial
Muuuuuito bom!
(pelo menos para os padrões do meu liceu de província... já não digo nada)
Excelente! A minha arrogância reve-se neste texto e baixa a bola...
subscrevo...
agradeço às minhas notas medianas de liceu a preparação para a mediania universitária...
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