João Deão
João acorda numa convulsão, afasta os lençóis e toca na unha do pé escanhoada, aparada e inteira. Levanta-se, lava a cara, veste-se, escada a baixo e sai para o emprego. João, carteiro por razões místicas, aguarda um café cheio no quiosque da esquina. À sua frente, a impedir o indispensável contacto visual com o empregado: duas mulheres. Uma, de cara oval, olhos esbugalhados e dedos sapudos, fuma um cigarro longo e fino; outra, esquálida, de lábios pretos e finos e com sardas macilentas ao canto dos olhos, mantem, com dificuldade entre os dedos um charuto-barrica. Discutem alto e fumam mais alto ainda. Tão alto que impedem que João peça o seu café longo com 3 centímetros de espuma. João pede licença. Elas calam-se, olham-no, expiram simultaneamente uma longa bafurada e no preciso momento em que do outro lado da rua passa um autocarro, voltam à discussão e à fumarada.
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