quarta-feira, março 01, 2006

João Deão


10:30. João põe a cabeça de fora dos lençóis. Descerra as pálpebras, expõe os globos oculares à luz da manhã e transforma as ondas da energia solar em latejar doloroso entre a testa e a meninge: punhadas, atrás dos olhos, que mantêm hoje, a sensação de irrealidade que, ontem, o álcool iniciou à tarde, e que apenas a ideia de duche ajuda a dissipar. João entra na casa de banho, bate com a ponta do dedo do pé no degrau e acto contínuo: esfacela a unha. Metade parte-se, salta para dentro da banheira e escorrega até ao ralo, e outra metade enterra-se para atrás do dedo. A dor do latejar da cabeça é atraída, como a luz a um buraco negro, ao dedo grande do pé. E, aí multiplicada por mil. Em ondas sucessivas. Como se lhe tivessem arrancado um dente do pé sem anestesia, João, transformado em terminação nervosa, vibra de dor. Desmaia.

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