o primeiro voto
João Simões vai votar pela primeira vez no próximo dia 20. Tem 18 anos e desde que se toma como gente que sente um desejo incontido de votar. Quer estar na fila de cartão de eleitor na mão, quer esperar a sua vez à porta da sala de aula de um liceu, quer ver o aceno de "pode entrar" e quer ouvir o seu nome lido em voz alta e riscado com certeza democrática em dois livros por duas pessoas ao mesmo tempo. João quer votar. Quer entrar na cabine e pôr o seu voto na urna como ele próprio, um dia depois de morrer será posto. O papel bem dobrado, tantas vezes treinado em casa pode descer pela ranhura e seguir caminho para transmitir o seu voto ao poder. João vai votar por volta da hora do almoço. Leva uma gabardina, um tubo de cola, uns recortes de uma clássica revista pornográfica e uma pequena tesoura para os acertos. Na cabine coloca o boletim de voto em cima da mesa e faz a cruz: expressão máxima do seu voto. Uma cruz de cola de tubo U H U Stick, do canto superior direito ao canto superior esquerdo. Depois pega na página central da Gina número 198723 e cola-a ao boletim de voto. Zás: ouve-se na sala de aula depois de dar uma palmada na maminha direita de uma senhora que se contorce com um salpicão da Beira (Moçambique) na boca. Alisa as bolhas de ar, dobra o boletim e dá corda aos sapatos em direcção à mesa de voto. Sai solenemente da sala, ajudando uma freira a entrar.
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