quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Das Putas que não têm género, ou melhor, das filhas-da-putice

Há frases que ficaram comigo para o resto da vida. Uma delas foi ouvida no consultório do meu primeiro dentista. Lembro-me como se fosse hoje e foi há uns 15 anos. O chão inclinado do prédio velho. O banco desconfortável encostado à janela onde eu lia uma revista (provavelmente uma TV Guia ou uma Nova Gente). O banco, igual ao meu, por baixo da prateleira das revistas, onde duas senhoras, que se conheceram ali, conversavam. Uma explicava à outra a história da mulher que lhe roubara o marido e a quem tudo parecia correr bem na vida. "As Putas têm sempre sorte!", dizia ela no fim de cada explicação sobre as coisas boas que aconteciam na vida da outra. Da ladra. "As Putas têm sempre sorte!", alto, para que todos pudessem ouvir. Especialmente a palavra Putas.
Lembro-me da cena como se tivesse sido hoje. Provavelmente porque pensei muito nela. Que sentido tem isto tudo, se são as Putas que têm sempre sorte? O que é o mundo se são as Putas que triunfam? De cada vez que vejo uma a ter sorte, a frase da senhora exaltada no consultório volta à minha cabeça.
A resposta às minhas dúvidas só chegou muitos anos mais tarde. Quando a minha jornalista preferida, num dos seus primeiros textos, explicou a razão por que "A fila vizinha anda sempre mais que a minha". Tal como no trânsito, nas Putas nem tudo o que parece é. Só que quando uma puta tem sorte isso mexe connosco e marcamos o acontecimento no nosso cérebro. Quando ela tem azar nós achamos isso normal e justo e seguimos em frente.
Se pensarmos bem, qual é a probabilidade de as Putas virem a ser felizes no longo prazo? E melhor ainda, por que misérias passaram já para se estarem agora a comportar assim?
Mas acredito, e sei, que ver Putas a terem sorte custa imenso. E, felizmente, até agora nenhuma delas me roubou a mulher...

2 comentários:

joana disse...

Em grande! :)

Anónimo disse...

Bom texto. ate que enfim algo com verdadeiro interesse. parabens